sábado, 13 de março de 2010

Revista Ética e Filosofia Política




Junho de 2007




Dossiê Direitos Humanos1


Armênia, um povo em luta pela liberdade: o mais longo genocídio da história


A. H. Campolina Martins*


O estado da questão


Em três milênios de história, os armênios conheceram longos
períodos de opressão e curtos momentos de liberdade, o maior deles a
partir do governo de Tigranes II, o Grande (94-56 a.C.). Por sua
localização geopolítica, entre o Mar Mediterrâneo, o Mar Cáspio e o Mar
Negro, um enclave entre o Ocidente e o Oriente, ou por sua opção
religiosa, o primeiro Estado a adotar o cristianismo como religião oficial, a
Armênia sempre teve diante de si a cobiça e a intolerância de outros
povos. Assírios, medos, persas, macedônios, partos, romanos, bizantinos,
árabes, mouros e turcos deram vez uns aos outros no domínio sobre essa
nação que teimava em preservar sua cultura. Se a adoção do cristianismo
contribuiu para o afastamento da Armênia do mundo oriental, a opção
pelo monofisismo, segundo o qual, Jesus Cristo tem uma única natureza, a
divina, ajudou a afastá-los também do Ocidente e das Igrejas
Calcedonenses. Para complicar, quando não sofreram com o jugo externo
se defrontaram com a ameaça interna, no seu próprio território, viram sua
pátria cindir-se e cumpriram sua sina: emigrar. A Questão Armênia, a
Causa Armênia surgiu como uma das mais polêmicas da política
internacional no século passado, assim como uma postura de luta
concreta, acentuada pela ação sistemática do Império Otomano em não só
acabar com a idéia de liberdade, mas também com aqueles que a
pregavam, o povo armênio.


Introdução


Antes de tudo gostaríamos de explicar o sentido formal, o sentido
exato deste dossiê expresso na segunda parte do seu título: o mais longo
genocídio da história. Quando dizemos o mais longo genocídio da história
nos referimos a um período que abrange de 1895 à 1923, à Causa
Armênia, ao Problema Armênio, à Questão Armênia, iniciada no século.
Doutor em Moral, professor de Ética do Departamento de Filosofia da UFJF
XIX, depois de 1878, passando pelo grande massacre de 1895 e que se
prolonga com a traição dos jovens turcos (1905-1907), atingindo o seu
apogeu em 1915 com o genocídio propriamente dito. A comemoração deste
genocídio se faz, a cada ano, no dia 24 de abril. Este longo período termina
em 1921-1923 quando não só os armênios mas também os gregos foram
vítimas dos turcos.
Dividiremos este texto em três partes: primeiramente, faremos a
diagnose da situação, ou seja, estudaremos o Problema Armênio, a
Questão Armênia, a Causa Armênia, a partir do que foi dito, falado e
publicado na imprensa, na televisão, nesta década de 90 2; num segundo
momento, elaboraremos o perfil do armênio e o do turco, isto é, diremos
quem é o armênio e quem é o turco; e num terceiro momento, nos
fixaremos de maneira mais precisa no Problema Armênio, na Questão
Armênia, ou melhor, na Causa Armênia, levando em consideração,
sobretudo, os interesses econômicos europeus, em se tratando do Oriente
Médio, e o assim Chamado "Terrorismo Armênio".


Diagnose a partir da Mídia


As emissoras de TV, os jornais, as revistas nacionais e
internacionais têm publicado, neste últimos anos, matérias, artigos sobre
o que vem acontecendo na Armênia e sobretudo, no Azerbaijão. As
palavras Naquichevan, Nagorno Karabach3 se tornaram sons que
escutamos freqüentemente e já nos são até mesmo familiares. Como
explicar a existência de colônias armênias, deste reduto armênio, dentro
do Azerbaijão? Sabemos que existem, atualmente, espalhados pelo mundo,
mais ou menos sete milhões de armênios, dos quais quatro milhões vivem
na antiga União Soviética. Dos quatro milhões de armênios da antiga
União Soviética, dois milhões vivem na República da Armênia4 - o Estado
Armênio juridicamente constituído com 49.000 km2 - e na República da
Geórgia. Os outros dois milhões de armênios vivem no Azerbaijão e no
Turquestão, regiões habitadas por povos de muçulmanos e, portanto,
inteiramente diferentes dos armênios em todos os sentidos: diferentes pela
cultura, pela religião, pela língua e pela índole, muito mais parecidos com
os turcos do que com os armênios cristãos. A diferença que se evidencia
nesta região é precisamente cultural. Se os azerbaijanes possuem a
mesma índole, a mesma religião, a mesma configuração étnica dos turcos,
podemos dizer que o problema fundamental é o problema turco-armênio,
armênio-turco, o problema entre turcos e armênios. Por isso, vamos nos
deter na causa, no núcleo do problema que é o Império Otomano
invadindo, estuprando, deportando, matando toda uma raça desde 1895
até 1923 com as conseqüências que os armênios carregam até os nossos
dias.


Perfil dos povos em conflito


Os armênios
Primeiramente gostaríamos de falar sobre os armênios. Quem são os
armênios, quem é este povo, esta raça ?5. Podemos dizer que os armênios
são descendentes dos hurritas que vindos da Índia, dominaram os
planaltos do noroeste do Irã a partir do século XVIII a.C. em cortes bem
ordenadas - uma organização militar superior a tudo o que era conhecido
na época - dirigidos pelos seus dinastas indoarianos. Os hurritas chegam
à Ásia Menor não conseguindo fundar um reino único por falta de
entendimento entre os seus chefes. Estabelecem, então, pequenos,
numerosos estados (principados) entre Khabur e Belikh (no curso superior
do Eufrates), ao longo do rio e até o sul da Palestina. Pode-se dizer, então,
que uma raça desconhecida, falando uma língua algo aparentada à dos
urartianos e de algumas tribos do Cáucaso, deixa a sua marca no Oriente
Próximo Ocidental, com seus conceitos cavalheirescos, seus deuses, e sua
arte, que dão um aspecto novo à região. Estamos justamente na época de
Hamurabi, rei de Babilônia.
No séculos XV a.C., os principados hurritas reuniam-se e formavam
o reino de Mitanni, entre Khabur e Belikh. E mantinham sob o seu
domínio Assur e todo o curso superior do Tigre. Uma revolta dos assírios
foi duramente reprimida pelo ano de 1450 a.C. por Chochatar, rei de
Mitanni, que saqueou e levou os tesouros para a sua capital Vachukkani.
Mas os hurritas, povo turbulento no qual cada chefe queria declarar-se
igual a qualquer outro chefe e não se submeter à sua vontade, à
autoridade do rei, carregavam dentro de si os germes da discórdia.
Bastava ser o soberano um pouco fraco ou mau político, para que cada
facção se declarasse inimiga do rei e adversária das outras rivais ao
mesmo tempo. Foi justamente em decorrência desta falta de entendimento
entre os principados Hurritas que, dois séculos mais tarde, os hititas e os
assírios dividiram entre si o reino de Mitanni. O rei da Assíria, rindo da
pretensa superioridade Hitita, apropriou-se da herança hurrita,
começando as guerras de conquistas, as deportações e os genocídios
sangrentos.
Desde o século XIII a.C., os assírios deram o nome de Uratri aos
planaltos armênios, termo que designa uma região de montanhas.
Posteriormente passaram a denominar de "País Nair" o conjunto formado
pelas tribos hurritas que viviam em Uratri. Sob Assurbanipal II, a região
é chamada ora Urartu, ora Nairi. No século IX a.C., o rei Aramé, reunindo
os estados de Nairi, criava o reino de Urartu. Urartu é o mesmo que
Ararat, diz Ciro da Pérsia. Já em 515 a.C., encontramos esta expressão
Urartu como sinônimo de Ararat. Solidamente implantado em torno do
lago Van (então chamado Mar de Nairi), o reino de Urartu expandia-se
para leste. A cidade de Van (então Tuchpá), é a capital deste reino; a
partir dela se criou a Armênia atual. Urartu estendia-se sobre mais de
dois milhões de quilômetros quadrados e englobava conjuntamente o que
viria a ser mais tarde a grande Armênia, a Cilícia, os principados de
Karabach (isto é, uma parte da Turquia atual, o Trans-Cáucaso e o
noroeste do Irão até Tabriz). Urartu acabou se livrando dos assírios.
Urartu dominava a Ásia Menor, mas as lutas e os domínios recíprocos e
alternados entre Mitanni e Assur, entre Hanigalbat e Assur,
posteriormente entre Assur e Nairi, e finalmente entre Urartu e Assur,
haviam também criado laços políticos, administrativos e culturais.
Urartu, que possuía uma escrita ideográfica própria, preferiu utilizar a
escrita assíria, derivada ela própria dos caracteres cuneiformes sumérios.
O estado urartiano conservou seus hieroglifos só para o uso da
administração e finanças. Assim, portanto, torna-se possível decifrar a
escrita urartiana através dos caracteres assírios.
Do reino de Menuá, filho de Ichpuini (entre 800 a 780 a.C.) começou
a grandeza de Urartu. O reino se cobre de cidadelas, templos, belos
palácios no meio de pomares com árvores desabando de frutas, de
vinhedos e campos irrigados e cultivados. Tuchpa, capital rica e próspera,
cercada de muralhas ciclópicas, recebia sua água por um aqueduto de 80
km de comprimento construído através de montanhas. Argichti, filho de
Menuá, ampliou o seu território para leste e para o vale do Araks, sobre a
fortaleza de Arimpert, foi fundada Erebuni, Erevan, atual capital da
Armênia. Por sete séculos, desenvolveu-se aí, uma civilização que não
tinha nada a invejar aos maiores países da Antigüidade, desde a Suméria
até Roma.
No século VI a.C., o reino de Urartu, esgotado pelas lutas
incessantes contra os assírios e pelas dissensões internas, foi atacado no
ocidente pelos frígios e na região leste por uma nova tribo indoariana, os
cimerianos. Os montes de Urartu viraram campo fechado de batalhas
entre frígios, cimerianos, citas, medos e até persas aquemênidas. O povo
armênio é, portanto, oriundo da mistura de todos esses povos e dos
autóctones urartianos. Os textos armênios e a tradição englobam esses
diversos invasores sob dois termos: os hais e os armens. Pode-se também,
notar, que o elemento dominante foi constituído pelo povo frígio que, seis
séculos antes, havia conquistado o reino Hatti, prosseguindo a política de
expansão para leste, o que caracterizou a obra dos hititas vencidos. A
despeito dessas misturas nas quais são encontrados os hititas, os assírios,
os gregos e outros povos da Mesopotâmia e da Palestina, como os gutos,
kassites, arameus e até caldeus e hebreus, a base de formação do povo
armênio é constituída pelo elemento urartiano. São encontrados indícios
de civilização de Urartu nas igrejas e nos monumentos da Armênia cristã.
É portanto no século VI a.C., como comprovam os textos de Dario I,
gravados nas rochas de Behistun, e na menção de Heródoto, que aparece o
termo Armênia para designar a herança hurrita e urartina. Pode-se ligar
este termo à denominação armêm relatada pela tradição popular do
Cáucaso, enquanto os próprios Armênios chamam o seu país de Haiastan,
dando preferência aos Hais.
Fora destas influências, nada mais, salvo o cristianismo, iria
modificar profundamente as características do povo armênio, herdeiro
direto das civilizações mesopotâmicas. Os armênios se misturaram
estreitamente a povos semitas e criaram, na alegria e no sofrimento, na
paz e nas lutas cruéis, diferentes organizações sociais e culturais. Eis aí,
em conclusão, a origem do povo armênio, unidos a mais antigos rebentos
da árvore do Ocidente.
A Armênia é, antes de tudo, uma nação cristã. Os dois
evangelizadores que entraram na Armênia, por fronteiras diferentes, só se
encontraram uma única vez. Bartolomeu que foi o primeiro a declarar o
Cristo Filho de Deus (João 1, 49), foi martirizado em 68 em Albanus
(Bachkale). Se a tradição é perfeitamente segura no que concerne ao
apóstolo Bartolomeu, são divididas as opiniões quanto a Tadeu. Para a
maioria, trata-se do apóstolo Tadeu ou Judas; mas há uma minoria para
qual é Tadeu Dídimo, de Edessa, antes discípulo, do que apóstolo de
Jesus. Na mesma época do martírio de Tadeu, foram igualmente
martirizados bispos, senhores nobres, gente simples, milicianos, príncipes
de sangue real, sátrapas; o seu túmulo foi erigido em Ardaze, hoje Maku.
Os túmulos dos dois evangelizadores, denominados por antonomásia "os
primeiros iluminadores da Armênia", situados no sudeste da Armênia
Antiga, tornaram-se santuários venerados. Segundo Ormanian, a missão
de Tadeu durou 8 anos (35 a 43) e a de Bartolomeu 16 anos (44 a 60).
Ambos evangelizavam, formavam discípulos, ordenavam bispos e
implantavam a novidade do cristianismo nas montanhas da Armênia. A
população dessas regiões, constantemente submetida às lutas de
influência dos grandes entre si, forçada a fornecer contingentes de
guerreiros para defender os interesses de Roma ou os primos persas de
seus reis arsácidas, vivendo num mundo sem piedade na encruzilhada das
invasões, não podia ficar indiferente às palavras de bondade e de
fraternidade pregadas pelos apóstolos de Jesus Cristo. Apesar de ser a
Igreja armênia constituída de modo independente e autocéfala desde o
primeiro século apostólico, estava longe de ser alcançada pelo cristianismo
a grande massa de sua população. Esta continuava ligada a seus antigos
deuses, herdados na Índia através dos hurritas, medos, persas, panteão
refinado pelos costumes helênicos e modernizado pela influência romana.
Os bispos armênios, diante da hostilidade desses pagãos, viram-se
forçados a transferir a sua sede de uma cidade a outra; as duas
localidades freqüentemente citadas são: Sunik e Ardaze. A Igreja Armênia
foi, pois, fundada pelos apóstolos Bartolomeu e Tadeu. Estes
estabeleceram um episcopado ativo que soube manter-se até o fim do
século III d.C. (o último patriarca, S. Mehrujan, ocupou a sede de Ardaze
até cerca de 260). Os milhares de mártires provam a amplitude da
penetração do cristianismo na Armênia. Citaremos somente Santo Acácio
e seus dez mil milicianos torturados e massacrados pela sua fé cristã em
Ararat, sob o reino de Adriano, por ser este acontecimento comemorado
concomitantemente pelos martirológios armênio e latino. No ano de 301,
com a conversão do rei Tiridat III, o Grande, a Armênia seria o primeiro
país do mundo a proclamar o cristianismo como religião de Estado. Doze
anos mais tarde, em 313, o Imperador Constantino reconheceria a religião
cristão como livre em seu Império. E só na altura do ano 323, ele próprio
se converteria e seria batizado ao morrer em 337. Ora, a Armênia se
tornou cristã bem antes do Imperador Constantino fazer da Igreja
perseguida a Igreja protegida do Império Romano.
No século V da nossa era, nos deparamos com o alfabeto armênio.
Mesrop vai ser o iniciador e quem faz cristalizar esta língua que passa a
ser agora também escrita. O alfabeto é um dos laços culturais do povo
armênio. Um sistema gráfico que resiste desde o século V, inclui 31
consoantes e 7 vogais, tem letras maiúsculas e minúsculas, escreve-se da
esquerda para a direita e impressiona pela sua personalidade e limpeza
visual. Através do alfabeto armênio manifestam-se autores importantes
como Moisés de Khorene, Gregório de Narek, Nerses IV, Gregório de
Tathev, Nahapet Kuchak, Gabriel Sunderkian, Raffi e Auetiq Isabakian.
A tradição local atribui a dois santos da Igreja Armênia, São Mesrop e São
Sahak, auxiliados por um grego de nome Ruponos a invenção do alfabeto
no século V. Criava-se um sistema próprio para marcar a separação da
igreja armênia da grega e síria e abrir a leitura dos textos bíblicos e de
caráter religioso para os fiéis que falavam só a língua armênia, já que até
então atendiam somente àqueles que sabiam o aramaico ou grego. É uma
grafia provavelmente derivada do alfabeto da Pérsia - o armênio esteve
sob o domínio persa até o século VII com influências siríacas e gregas. De
início, o alfabeto armênio compreendia 36 letras, incorporando, no século
XII, outras duas, para exprimir as palavras trazidas pelos cruzados. São
Merosp e São Sahad fundaram uma escola de tradutores que verteu a
Bíblia para o armênio e desenvolveu intensa atividade, de tal modo que o
século V foi considerado o século de ouro da literatura armênia. Os mais
antigos documentos que restavam nesse alfabeto datam dos séculos IX e
X, mas foi somente no século XVIII, com o estabelecimento de tipografias
em vários centros, inclusive em Veneza, na ilha de San Lázaro, que se
verteram obras fundamentais da cultura ocidental. Um dos fatores
responsáveis pelo desenvolvimento da cultura armênia, o alfabeto
estabilizou a língua falada e contribuiu para a união da igreja e da nação
armênia, acompanhando o povo onde quer que estivesse, no território
pátrio ou na diáspora.
O armênio é hoje falado por cerca de sete milhões de pessoas e sua
escrita é o código comunicador no qual se concentram todos aqueles para
os quais o termo Armênia é muito mais que uma simples palavra,
significando a própria identidade nacional.


Os turcos


Quem é o turco? O que é a Turquia? Turco significa "gente de força"
e encontramos aí dois grupos propriamente ditos, os ceudiúcidas, no
século XI, e os otomanos que têm origem em 1300 mais ou menos. A
origem dos turcos é a seguinte: um povo vem do Turquestão, um povo
guerreiro, gente de força; eles invadiram a Ásia Menor e converteram
todos os habitantes desta região, à força, ao Islã. Absorveram todos os
povos de raça diferente, entre estes, os armênios do estado de Gob até o
Mar Cáspio. Em 1071, eles invadiram justamente esta região e em 1300
chegaram à Anatólia, tomaram todo o Império Bizantino, inclusive
Constantinopla que resistiu durante quatro séculos. Os otomanos
aterrorizaram o mundo por 300 anos. Em 1299, Otomano adotou o título
de sultão e partiu para a conquista da Europa. Sob seu sucessor,
Orkhanni, os turcos vão conquistar Constantinopla em 1453, dando início
ao século de ouro, que vai ser justamente o século por excelência do
florescimento do império otomano (daí em diante, encontramos uma
decadência total). Os turcos são guerreiros que descem do Turquestão e
vão tomando os lugares por onde passam, chegando mesmo a Viena. Toda
a península balcânica vai ser submetida ao Império Otomano. Para os
habitantes não turcos do império otomano o mais difícil era suportar o que
os turcos chamavam de Devshirme ou tributo de sangue, que consistia na
entrega forçada pelos cristãos de seus filhos que eram enviados ainda
meninos para Istambul e outras cidades turcas e convertidos ao
Islamismo, passando a fazer parte do corpo dos genizaros, soldados
encarregados de oprimir a própria população cristã. A língua turca
pertence ao grupo lingüístico uraloaltaico, que se relaciona com o tronco
fino-hungriano. Os húngaros, como os turcos, vagavam pelas estepes
asiáticas como guerreiros, falando uma língua desvinculada de qualquer
raiz. Não são indo-europeus como os armênios e os gregos. Esta é, pois, a
origem dos turcos e de uma Turquia que se apresenta hoje com mais ou
menos oitocentos mil quilômetros quadrados divididos em duas partes: do
planalto da Anatólia, na Ásia, a Trácia oriental na Europa, que não é,
senão, a continuação da região costeira da Anatólia com fronteiras ao
norte, com o Mar Negro, ao sul, com o Mediterrâneo, a leste, com a antiga
União Soviética (Geórgia e Armênia) e o Irã, e a oeste, com a Bulgária,
Grécia e Mar Egeu, ao sudeste com a Síria e com o Iraque. Desses
oitocentos mil quilômetros quadrados, encontramos mais ou menos
trezentos mil que não pertencem à Turquia. Esta é a terra dos armênios, a
Armênia, o país para o qual os armênios de todo o mundo estão voltados e
que é o motivo da Causa Armênia, sobre a qual falaremos neste momento.


A Causa Armênia


Falaremos sobre a Causa Armênia, fazendo uma crítica a um livro
que entrou no mercado editorial em 1988, publicado pelo Centro de
Pesquisa de Istambul, na Turquia, intitulado The Armenians in History
and The Armenian Question 8, o autor é o historiador Esat Uras. Trata-se
de uma terceira edição de um livro publicado em 1951, preparado segundo
os propugnadores da obra, com esmero, 40 anos de paciente pesquisa,
reeditado em 1975 por ocasião do qüinquagésimo aniversário da república
turca. E agora, em 1988, uma terceira edição, tratando dos eventos, das
visões e das interpretações, relacionadas ao problema armênio ocorrido
durante o período de 1923 a 1985.
Na Introdução, os propugnadores da obra nos dão as razões para
esta edição de 1988.
"As igrejas armênias, as organizações terroristas armênias, e vários
governos, com um projeto claro de atacar a república turca e sua
integridade territorial, e com um interesse explícito em ressuscitar
antigos problemas, tais como o da questão armênia, trabalham
continuamente, incrementando uma terrível propaganda para influenciar
a opinião pública. Esta propaganda se efetua através de uma variedade
enorme de meios e de metas: dos assim chamados livros didáticos aos
catecismos sexuais, das fitas gravadas, aos vídeos, dos filmes e programas
de TV, às brochuras e posters. E, finalmente, através dos assassinatos,
dos sequestros e assaltos. Tudo isto com o intuito de chamar a atenção da
opinião pública de certos países para a existência de um problema
armênio. Particularmente, entre os anos de 1973 e 1985, quando nenhum
outro meio era mais eficaz, os esforços foram concentrados no sentido de
converter a questão armênia ou o problema armênio na causa armênia,
mobilizando a consciência do mundo para esta causa com táticas
terroristas. Diante de tudo isto, é essencial para a república turca e,
especialmente, para o povo turco, envolvido na questão de modo
particular, esclarecer a opinião pública sobre a natureza do terror
armênio, sobre a real e verdadeira questão armênia. Esta obra quer ser,
portanto, não só uma fonte importante de referência, mas também de
esclarecimento."
Existe ainda uma razão para esta terceira edição da obra de Uras:
"Esta razão está ligada às desgraças sofridas pela Turquia,
provenientes dos mais diferentes lugares e colocadas em prática através
das mais variadas formas. Os ataques são realizados com eficiência e
eficácia, sempre sob o terror e a anarquia das armas. De 1973 a 1985, o
terror das organizações armênias causou a morte de aproximadamente 50
turcos e de um número de crianças, e a destruição de bilhões de liras em
propriedades. Os armênios organizaram os mais terríveis e inumanos
massacres, crimes, assaltos da história recente, enquanto, nesta época,
mais de quinhentos mil turcos morriam no país, vítimas do terror e da
anarquia armênia. A verdadeira existência do Estado, e a conseqüente
legitimação do seu regime político, vem sendo colocada continuamente em
perigo pelo terrorismo armênio, cujos membros não são mais do que turcos
traidores, turcos que querem renegar a sua casa, que rejeitam o seu lar. A
propaganda armênia está sempre circunscrita aos temas do Genocídio e
das Deportações, com a finalidade de sensibilizar ainda mais os países
hostis à Turquia".
Assim sendo, um esforço ilimitado é colocado em prática no sentido
de transformar a Questão Armênia e o Problema Armênio na Causa
Armênia sob a égide do Genocídio e da Deportação, temas reivindicadores
da independência nacional. A obra de Uras quer, pois, mostrar a falsidade
dos temas acima mencionados, quer desmascarar o que está por detrás do
que os armênios chamam de deportações e de genocídio. Toda tentativa de
concentração nos acontecimentos de 1915 e a ignorância dos
desenvolvimentos que se sucederam a partir de então, segundo Uras, só
proporcionam ao leitor uma imagem incompleta da situação. Assim sendo,
para os propugnadores da obra, esta é uma tendência assumida também
por certos governos, qual seja, explorar o problema armênio, a questão
armênia em vista de suas aspirações geopolíticas particulares 11. Esat
Uras, quer afirmar, portanto, neste seu livro, que a questão armênia: "foi
muito mais usada como meio do que como um fim na história e este meio
não foi senão propaganda psicológica anti-turca, uma arma diplomática
em vista de outros objetivos. E qual o preço que os armênios pagam por
isso? O de receberem um novo nome, o de terroristas no sentido
internacional do termo".
Passaremos, portanto, a falar do Genocídio Armênio, do Problema
Armênio, da questão armênia, da causa armênia, fazendo uma crítica a
esta obra. Uras apresenta o povo armênio como subvertedor da ordem e
nega o direito territorial armênio. Para Uras, todo o interesse armênio
consiste em comover a opinião pública contra os interesses turcos. O autor
quer que o seu compromisso seja com a história; infelizmente, precisa ser
dito, este compromisso foi rompido desde que, por motivos alheios, se deu
à tarefa de refazer uma história da Turquia, deturpando as próprias
origens étnicas, apoderando-se da identidade dos povos milenares
desaparecidos na Anatólia. Os turcos, descendentes de povos asiáticos da
família tártaro-mongólica e procedentes das estepes da Ásia Central,
chegam à Ásia Menor nos séculos XI e XII da nossa era, em condições de
tribos. Pois estes povos se dizem, hoje, descendentes dos hititas e, como
tais, donos milenares da Ásia e das civilizações aí instaladas. São deles os
monumentos e as obras de arte dos hititas, dos gregos e dos armênios. O
autor perscruta como lhe convém. Seleciona os trechos, interpretando-os
fora do contexto, manipulando-os de acordo com intenções muito bem
determinadas. Enfatiza as críticas internas dos armênios, como as dos
autores e diplomatas estrangeiros não simpatizantes com a Causa
Armênia. Após cada capítulo, uma bibliografia é citada, mas amplamente
manipulada. Com habilidade de cirurgião, ele mutila os documentos,
citando apenas o que satisfaz aos interesses turcos. Para a obra, os
documentos que atestam o genocídio não passam de mito, criado pelos
armênios, com o fim de reivindicar territórios e indenizações. A tese da
obra é claríssima: não houve genocídio e, portanto, não há lugar para
reivindicações de territórios e de indenizações. Tudo não passa de
propaganda armênia, de pressão psicológica junto aos governos inimigos
da república turca. Aqui a identidade armênia é sempre minimizada e
mesmo negada. A Armênia nasce de uma dinastia legendária. Seu
território foi sempre cena de conflitos entre persas e árabes, romanos,
bizantinos e russos; por isso, na concepção do livro, nunca existiu um
território armênio devidamente constituído. Pois estes são os fantásticos
argumentos para os propugnadores desta compilação mentirosa
defenderem a ocupação de trezentos mil quilômetros quadrados do
território armênio pelos turcos na Armênia ocidental e os prejuízos que,
desde o século XVI, a Turquia vem causando a esta nação.
No que tange à documentação do genocídio de 1915, uma série de
telegramas do então ministro do interior Talaat Pashá, ordenando
exterminar inteiramente os Armênios e prometendo castigar os
funcionários da administração que não cumprissem cegamente esta
ordem, telegramas estes cifrados e reconhecidos em todo o mundo como
documentos importantíssimos sobre o genocídio, não são aqui sequer
mencionados.
Uma das acusações que esta obra faz contra as reivindicações dos
armênios diz respeito às estatísticas. Para o livro, as estatísticas armênias
são falsas. Ora, os historiadores são unânimes no que se refere ao número
das perdas e dos prejuízos ocorridos entre 1915 e 1920. Só durante esta
época podemos afirmar que 1.500.000 Armênios foram mortos pelos
turcos. Entre eles, encontram-se intelectuais, escritores, poetas, redatores,
professores, diretores de escolas. Duas mil e quinhentas cidades foram
cruelmente saqueadas, quatro mil igrejas e capelas foram destruídas ou
danificadas e transformadas com outras finalidades. Duzentos e três
mosteiros foram secularizados, assim como cerca de 30.000 manuscritos,
perdidos ou queimados. A Igreja Apostólica Armênia perdeu 3.000
presbíteros e 50 bispos e arcebispos. Os dignatários, depois de torturados,
foram lançados ao petróleo e queimados vivos. Vê-se, pois, de modo
patente, que durante estes cinco anos, durante o Genocídio, as perdas
foram enormes e os números aqui mencionados são, com segurança,
internacionalmente reconhecidos. O que se poderia acrescentar em termos
de perdas humanas, de prejuízos, de danos materiais e morais quando se
sabe que desde 1895 até 1923 a repressão, os massacres, as deportações
foram efetuadas de modo quase contínuo e, em períodos determinados,
com a ênfase total de uma vontade de extermínio brutal. Por isso,
chamamos o genocídio armênio de "o mais longo da história".
A pouca importância que Uras outorga ao Tratado de Paz de Sèvres,
firmado em 10 de agosto de 1920 entre as principais potências aliadas,
contendo seis artigos relativos à Armênia (Secção VI, artigos 88 a 93),
onde estas mesmas potências aliadas declaram reconhecer a Armênia
como estado livre e independente, e a relevância com que o autor divulga,
pormenorizadamente, a Conferência de Lausanne, onde, no início, os
representantes armênios não foram sequer admitidos pelos turcos e onde
houve sequer satisfações para as suas reivindicações, mostra a coerência
do autor se inserindo na tradição de intransigência prepotente de seu
país. Fossem os governantes da Turquia mais liberais e menos
manipuladores, utilizando sempre de sua posição estratégica para fazer
com que potências internacionais interferissem na vigência dos tratados (o
próprio Tratado de Sèvres foi trocado pelo de Lausanne por pressão da
Turquia junto às potências aliadas); fossem os governantes turcos
realmente sinceros, conferindo de fato a segurança física aos armênios,
assim como a segurança de seus bens materiais e culturais; viessem
aqueles realmente ao encontro de seus justos anseios pela, pelo menos,
autonomia federativa dentro da região, provavelmente teriam sido
prevenidos os tristes fatos que aconteceram. Mas a posição turca foi
sempre outra, marcada pela arrogância, sempre impôs as suas decisões
sob a ameaça de armas. Os armênios foram obrigados a renunciar ao
Tratado de Sèvres no dia 03 de dezembro de 1920.
Mas a ênfase total da obra é colocada no que a introdução cognomina
de Terror Armênio. A própria edição de 1988 se nos apresenta como
"revista, aumentada e completada com os dados dos atos terroristas de
1973 a 1985".
A ênfase da obra não poderia ser outra. Para os patrocinadores desta
compilação, foram os armênios a massacrar os turcos. Segundo eles, os
armênios só acusam. Ora, a posição turca não poderia ser diferente. É
preciso contra-atacar para, do estado de réu, passar para o de vítima e
acusar. Não se pode negar que tenham existido Grupos Armados de jovens
Armênios 14, mas quem são estes jovens e o que visam? Antes de tudo
deve-se dizer que este Movimento Armado é uma reação, é efeito, é
consequência. São movimentos que surgem depois do genocídio. Não se
pode, pois, confundir e muito menos reduzir a história. Começa-se, sim,
pelo início, não pelo fim como se este fosse a causa de tudo. Insinuar que
conseqüências possam ser a causa, é, no mínimo, distorcer, manipular.
Terror foi, sim, a crueldade institucionalizada de modo amplo e irrestrito
a partir de 1880, colocada em prática sob a égide do próprio estado turco.
O terror institucionalizado, assumido, financiado por um império que
ordena "o extermínio, o fim dos armênios sem escutar os sentimentos da
consciência".
Mas qual seria a verdade sobre a reação dos Grupos Armados de
jovens Armênios? Para os responsáveis pelo genocídio armênio não houve
um julgamento de Nürenberg. Na década de 20, o povo armênio estava
saindo da grande tragédia. Dizimado, disperso, desamparado, os armênios
não conseguiam senão sofrer e suportar. Mas o limite chegou e o povo
decidiu fazer a sua justiça, a justiça que nunca foi feita pelos organismos
internacionais por causa dos interesses estratégicos e das mil
conveniências. Meia dúzia de jovens que viveram, existencializaram os
horrores dos massacres, todos estudantes, foram à procura dos
esconderijos dos principais responsáveis pelo genocídio, na época, todos
foragidos. Nos anos de 1921-1922, foram localizados e mortos a tiros sete
deles. No dia 15 de março de 1921, foi morto em Berlim a figura número
um, Talaat Pashá, por Solomon Tehlirian, preso pela polícia alemã e
julgado. Apesar de seu ato premeditado, Tehlirian foi absolvido. Este
processo está todo documentado. Foi o julgamento do século. O objetivo do
movimento armado é encontrar uma solução para a Causa Armênia. O
que se deseja é o reconhecimento, pelo governo turco, do genocídio
cometido contra o povo armênio, a devolução dos territórios ocupados aos
seus donos armênios, estabelecidos no Tratado de Sèvres em 10 de agosto
de 1920 e a indenização pelos prejuízos causados nos anos 1915-1922. A
atitude pacífica do povo armênio (de 1878 do Tratado de San Stefano que
oficializou a causa armênia a 1975 quase 100 anos, portanto) para ver
solucionada a sua causa através do diálogo e de outras tentativas
parlamentares (malogradas pela intransigência do governo turco e pela
inércia da O.N.U.) não teve outra alternativa se não a luta armada, como
meio de apelar à solidariedade dos povos civilizados pela solução da causa
armênia. Um dito popular armênio diz: "Quando não há saída a vez é dos
loucos". Pois estes jovens armênios saíram à cata dos porta-vozes do
governo turco, difundindo mentiras, falsificando fatos, confundindo a
opinião pública mundial, minando, através de chantagens nos meios
diplomáticos, os procedimentos pela solução da causa armênia. Isto para
forçar o governo turco a abrir diálogo direto com os armênios ou através
de terceiros. Mas até hoje, a Turquia recusa o diálogo e vem
constantemente pressionando o mundo inteiro para não fazer justiça.
Encorajada pela impunidade atual, a Turquia espera sepultar
definitivamente o seu crime. Os armênios contudo, nunca deixarão de
denunciar e de reclamar justiça e reparação.
A obra de Uras pois, na verdade é uma anti-história da Armênia. É
mais uma distorção, mais uma mentira, mais uma tentativa para se
refazer uma história falsa. Esat Uras pretende ser rigoroso, científico,
mas os prolegômenos de seu texto já mostram, indicam de modo muito
claro o prisma mediante o qual o mesmo deve ser lido. Sua objetividade é,
pois, aprioristicamente viciada, pois o rigor da ciência implica, antes de
tudo, no reconhecimento da verdade. Ora, a verdade aqui é manipulada,
distorcida, considerada só sob os ângulos da conveniência, ou melhor, dos
interesses, do pressuposto turco. E a verdade pela metade, a meia verdade
é pior do que a mentira, porque é mascarada. O reconhecimento da
realidade histórica é o primeiro passo para proibir e evitar todo tipo de
repressão em qualquer país. E é isso, só isso, que os armênios desejam.
Que a justiça lhes seja feita. A sub-comissão de prevenção das
discriminações e proteção às minorias da O.N.U. estabeleceu o
reconhecimento daquilo que ninguém pode negar. Mediante votação, foi
aprovado, por maioria, um relatório sobre o genocídio, em que inclui o caso
armênio de 1915, como genocídio. A aprovação do dito relatório é uma
vitória da justiça e da humanidade. Este documento não apenas ratifica os
fatos históricos realizados pelo governo otomano, contra os armênios, mas
demonstra também, a obsessão turca em querer negar o que é evidente,
patente. A mesma posição foi assumida pelo Parlamento Europeu quando
reconheceu, por votação da maioria de seus membros, o genocídio dos
armênios. Sim, querer negar o que é óbvio, dizer que um país de mais de
dois mil anos de existência, baluarte da civilização européia, portador de
uma organização social, de uma língua, de uma literatura, de uma
religião, de uma arquitetura, de uma escultura, de uma pintura genuína,
dizer que este país não existe é mentir para o mundo. E o mundo não pode
aceitar esta mentira escandalosa, impertinente, obsessiva. O sangue dos
milhões de mártires, os fragmentos de pedra das inúmeras igrejas
destruídas na Ásia Ocidental, a pedra viva e a viva voz das testemunhas
que sobreviveram à barbárie otomana estão aí para dizer e comprovar o
que dizem: "A Armênia só pode ser dos armênios". Isto é o mínimo que se
pode reivindicar para o povo que sofre e sofre até hoje a maior injustiça da
história, o mais longo genocídio.


NOTAS


A Comunidade Internacional dedicou o ano de 1998 aos Direitos Humanos. No cerne dos mesmos
direitos não pode haver nenhuma dúvida sobre a sua universalidade, não pode existir relativismo
possível em nível de valor. E, no entanto, sabemos como em todos os tempos, no mundo inteiro, estes
direitos fundamentais do homem foram desrespeitados e manipulados. A historiografia nos mostra que
houve estados soberanos e governantes profundamente honestos e sensíveis para com as opções
profundas dos seus súditos. Arnold TOYNBEE considera Ciro II, O Grande, KUROSH EL KABIR, da
Pérsia, o Pai dos Direitos Humanos. Este foi o grande unificador e congregador de povos, sábio, justo e
tolerante. Recebeu elogios dos adversários, os gregos. Outorgou a liberdade aos hebreus, ajudando-os,
em sua terra, a reconstruir o Templo. Cognominado Messias no Deutero Isaías, ele foi o protótipo do rei
justo e bom. Cf. TOYNBEE, A. A study of history, Oxford University Press, vol. VII 178,180,183, 205,
206-7, 582-4,597-9, 603-5, 611, 657, 660, 679, 683. Da mesma forma, na Índia, durante o período
mongol, governou AKBAR, célebre pela tolerância religiosa, militar, política e pela abnegação; o
imperador da integridade e do respeito para com as diferenças. Cf. Id. Ibid., VII, 19, 106, 127, 183, 186,
195. Cf. GROUSSET, René, Figures de Prone, Paris, 1949, 306-326 (Akbar et le destin de l’Inde). Mas se houve um Ciro e um Akbar, houve também, na mesma Ásia, um Tallat Pashá, o ministro do interior do
império otomano que executou o genocídio mais longo da história. O presente dossiê será dedicado a
esta questão ainda não resolvida histórica e politicamente.
Cf. Time, 5 (january 29, 1990) 8-12. Newsweek, 5 (january 29, 1990) 8-14.
Em julho de 1923, a região de Nagorno-Karabach foi declarada autônoma, mas entregue à
administração do Azerbaijão. A decisão foi tomada porque Stalin queria obter apoio dos muçulmanos da
Ásia Central. A incorporação nunca foi aceita pelos armênios. Em fevereiro de 1988, o então Soviete
Supremo de Nagorno-Karabach aprovou a devolução do território à administração da Armênia.
Começaram, então, os choques étnicos entre armênios e arzebaijanes, com centenas de mortes.
Armênios foram ainda massacrados em Baku e em outras cidades do Azerbaijão. Em janeiro de 1990,
tropas do Ministério do Interior da antiga U.R.S.S. intervieram no Azerbaijão para conter os choques
armados entre as duas nacionalidades.
Faço a transcrição do Prefácio do livro "Ethinic Cleasing in Progress - War in Nagomo Karabakh -
Caroline Cox e John Eiber, escrito por Elena Sakharov, viúva do conhecido físico Andrei Sakharov, ela
própria uma armênia. Tem-se aqui de modo muito patente, um diagnóstico do conflito na Região.
"Um dos autores deste trabalho, Lady Caroline Cox, tem, durante os dois últimos anos, se dedicado a
ajudar a população de Nagomo Karabakh, e aos refugiados de Karabakh e do Azerbaijão. Fazendo isso,
ela demonstra um alto grau de coragem pessoal enfrentando tiros e bombardeios, arriscando a vida para
prestar ajuda humanitária diretamente dentro das zonas de guerra. Não é ouvindo comentários de
terceiros, ou de acordo com notícias veiculadas na imprensa que ela tomou conhecimento dos infortúnios
e sofrimentos dos pacíficos habitantes desta região - mulheres, crianças e velhos; ela presenciou esse
sofrimento pessoalmente, passou inúmeras noites com eles em abrigos anti-aéreos, celeiros, e nas suas
casas em vilarejos, que poderiam ser destruídas a qualquer momento por uma bomba ou fogo de
artilharia. Ela repartiu seu pão, quando eles não possuíam nada, e chorou por seus filhos e maridos
mortos. Não conheço ninguém no mundo ocidental que tenha se envolvido tão profunda e
completamente com os acontecimentos naquela região. Assim, é uma grande honra para mim escrever
um prefácio para este trabalho, embora não partilhe integralmente suas perspectivas históricas: eu
acredito que basicamente a presente tragédia é causada, não por fatores religiosos ou culturais dos dois
povos, mas sim pela obstinação na prioridade do princípio de integridade territorial, a qual é direito de
estado, colocando-a acima do princípio de autodeterminação nacional, a qual é parte integrante dos
direitos humanos.
Já se passaram 5 anos desde o início dos conflitos em Karabakh. Em resposta ao pacífico apelo
apresentado em uma sessão do Soviet Regional de Nagorno Karabakh para que a região fosse
transferida da jurisdição administrativa do Azerbaijão, ou diretamente ao governo da URSS como é até
agora, ou então à Armênia, instalou-se um processo de genocídio e massacres contra os armênios,
provocados pelas autoridades do Azerbaijão (em Sumgait, Ganja, Baku, etc). A seguir, houve deportação
forçada do povo de Karabakh, comandada por forças militares do exército soviético em conjunto com o
ministério de assuntos internos do Azerbaijão. Seguiu-se a destruição de vilas e cidades, queimada de
safras e colheitas, roubo de gado, assassinatos, estupros e captura de reféns que foram torturados nas
prisões do Azerbaijão. Esta limpeza étnica, que deixou o Azerbaijão praticamente livre de armênios, e
que também ameaçou transformar toda a população de Nagorno Karabakh em refugiados, foi ignorada
pela comunidade internacional e pelas Nações Unidas, apesar dos inúmeros apelos recebidos do mundo
ocidental e do povo da Rússia. Foi este processo de expurgo étnico que levou o conflito, numa escalada
crescente de violência, para uma guerra aberta.
Além do mais, no outono de 1989 o Azerbaijão iniciou um bloqueio à Armênia. Na ocasião, Andrei
Sakharov pediu para que países do mundo ocidental estabelecessem uma ponte aérea de solidariedade.
Este apelo se baseava na obrigação que têm as Nações Unidas e Comunidade Européia de defender as
leis internacionais, especialmente a Convenção de Genebra, que proíbe qualquer espécie de bloqueio
imposto a um país pacífico. Desde esta data, o bloqueio tem sido constante. Isto destruiu a economia do
país, levando 3,5 milhões de armênios à beira de um desastre nacional, espalhando a ameaça de morte a
milhares por frio, fome e doenças. Atualmente a Armênia lembra muito Leningrado durante o cerco dos
exércitos de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Não existe eletricidade, nem televisão ou rádio;
não existe aquecimento ou abastecimento de água; o pão é racionado a 200 grs. por pessoa ao dia;
refugiados vivem em tanques, que originariamente foram utilizados para o transporte de petróleo; e
bandos de cães famintos vagam pelas ruas, tão bravios, que as pessoas quando saem de casa têm de se
armar de bastões para se protegerem contra eles, e aqueles que estão fracos não devem nem sair de
casa. É impossível remeter uma encomenda ou transferir dinheiro de Moscou, pois não há vôos
regulares. O bloqueio (e também o constante bombardeio e ataque às vilas e cidades armênias da
fronteira) continua apesar das reiteradas declarações da Armênia de que não existe qualquer problema
territorial com seus vizinhos.
Os países ocidentais, as Nações Unidas e o CSCE, desde fevereiro de 1988, têm se mostrado
surpreendentemente indiferentes ao conflito em Karabakh, e não têm feito qualquer tentativa para
conseguir uma solução pacífica - nem mesmo a comissão do CSCE liderada por Mario Rafaelli.
Tampouco tomaram qualquer atitude prática para fazer cessar o bloqueio à Armênia e Karabakh, ou
para ajudar os mais de 350.000 refugiados. Nem mesmo oportunidades diplomáticas ou políticas foram
aproveitadas para compelir o Azerbaijão a levantar o bloqueio, ou obrigar a Turquia a abrir um corredor
por onde possa fluir ajuda humanitária até a Armênia.
O presidente armênio, Levon Ter-Petrosian apelou a todos os países da CIS para que exercessem
pressões sobre o Azerbaijão. Sei que o presidente do Kirgyztan, Askar Akayev, respondeu ao apelo
endossando o pedido a todos os líderes destes países, e também ao presidente do Azerbaijão, Elchibey, e
ao presidente da Turquia, Turgut Ozal. Todavia, o que pode fazer um pequeno país como o Kirgyztan,
quando gigantes como os USA e Alemanha não entendem que o bloqueio à Armênia é uma nova forma
de racismo; seu povo está sendo vítima de sofrimentos imensos só porque eles têm a mesma
nacionalidade do povo de Karabakh, que está lutando por sua independência.
Outro aspecto da atual política dos países ocidentais precisa ser mencionado: sua incapacidade em
entender a importância de ajudar aqueles novos estados cujos governos tentam, apesar de todas as
dificuldades, estabelecer regimes democráticos, especialmente o Kirgyztan, que necessita urgentemente
auxílio humanitário após sofrer os desastres naturais do ano passado, mas que vem recebendo muito
menos ajuda que seus vizinhos totalitariamente comunistas.
No passado, a ajuda internacional dos Estados Unidos era direcionada especificamente a ajudar países
onde os direitos humanos não eram violados e cujos governos agiam de acordo com princípios
democráticos. Hoje, este país, sob nova liderança, deverá reafirmar estes princípios básicos.
A Armênia não precisa de soldados americanos ou de seu armamento. Possui um governo e um
parlamento eleitos democrática e honestamente, sem qualquer falsidade. Seu governo não está engajado
em uma guerra civil contra sua própria gente, ou qualquer facção dela. Tampouco, são requeridas tropas
americanas em Karabakh, que formou um corredor de ajuda humanitária ligando-a à Armênia, as
custas do derramamento de seu próprio sangue. Porém Karabakh e seu povo necessitam de
reconhecimento diplomático para subsistir, o que é absolutamente legítimo de acordo com o referendum
ali havido em janeiro de 1992. O que a Armênia precisa é de esforços políticos e diplomáticos
empreendidos pelos países ocidentais, a fim de por fim ao bloqueio, além de temporária, porém maciça,
ajuda humanitária.
Caso os países ocidentais, e primordialmente os Estados Unidos, não fizerem nada no momento atual, e
somente se conservarem em uma posição isolacionista, a humanidade terá de enfrentar em futuro
próximo, não somente outra vergonhosa derrota da democracia, mas também a guerra, destruição e
atrocidades em escala idêntica às que aconteceram na antiga Yugoslávia.
Ainda hoje, é possível encontrar uma solução para o conflito de Karabakh e salvar a Armênia, com base
na salvaguarda dos princípios de defesa dos direitos humanos.


Elena Bonner Sakharov


11 de março de 1993."


Em agosto de 1990, o Parlamento da Armênia decidiu por 183 votos contra dois, aprovar uma
declaração de Soberania em relação à antiga U.R.S.S. e adotou o nome de República da Armênia. A
declaração inclui a adoção de um sistema pluralitário e o direito inalienável do controle de Nagorno-
Karabach.

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