sábado, 27 de março de 2010

Shahnour Vaghinagh Aznavourian

Shahnour Vaghinagh Aznavourian mais conhecido pelo seu nome artístico de Charles Aznavour (Paris, 22 de maio de 1924) é um cantor francês de origem armênia, é também letrista e ator.

Além de ser um dos mais populares e longevos cantores da França, ele é também um dos cantores franceses mais conhecidos no exterior. Ele atuou em mais de 60 filmes, compôs mais de 1000 canções (incluindo 150 em inglês, 100 em italiano, 70 em espanhol e 50 em alemão) e já vendeu bem mais que 100 milhões de discos. Aznavour começou sua turnê global de despedida no fim de 2006.

Aznavour nasceu Shahnour Vaghinagh Aznavourian (em armênio: Շառլ Ազնավուր), filho dos imigrantes armenos Michael e Knar Aznavourian. Seus pais, que eram artistas, o introduziram ao mundo do teatro em tenra idade.

Ele começou a atuar aos nove anos de idade e logo assumiu o nome artístico Charles Aznavour. Seu grande estouro aconteceu quando a cantora Édith Piaf o ouviu cantar e o levou consigo numa turnê pela França e pelos Estados Unidos.

Freqüentemente descrito como o Frank Sinatra da França, Aznavour canta principalmente o amor. Ele escreveu musicais e mais de mil canções, gravou mais de 100 álbuns e apareceu em 60 filmes, incluindo “Atirem no pianista” e “A bateria Tim”. Aznavour canta em muitas línguas (francês, inglês, italiano, espanhol, alemão, russo, armênio e português), o que o ajudou a se apresentar no Carnegie Hall e noutras casas de espetáculos mundo afora. Ele gravou pelo menos uma canção do poeta Sayat Nova, do Século XVIII, em armênio. “Que c’est triste Venise”, cantada em francês, em italiano (Com’è triste Venezia), espanhol (Venecia sin tí), inglês (How sad Venice can be) e alemão (Venedig im Grau) é uma das mais famosas canções poliglotas de Aznavour.

Nos anos 70, Aznavour tornou-se um grande sucesso no Reino Unido, onde sua canção “She” saltou para o número 1 nas paradas de sucessos. Sua outra canção bem conhecida no Reino Unido foi “Dance in the old-fashioned way”.

Admirador do Quebeque, ele tem ajudado a carreira da cantora e letrista quebequense Lynda Lemay na França, e tem uma casa em Montréal.

Desde o terremoto de 1988, na Armênia, Aznavour tem ajudado o país através de sua obra caritária: a “Fundação Aznavour Pour L’Arménie”. Há uma praça com seu nome na cidade de Erevan, na rua Abovian. Aznavour é membro da Câmara Internacional do Fundo de Curadores da Armênia. A organização tem arrecado mais de 150 milhões de dólares em ajuda humanitária e assistência de desenvolvimento de infra-estrutura para a Armênia desde 1992. Charles Aznaour foi nomeado como “Officier” (Oficial) da Légion d’Honneur em 1997.

Em 1988, Charles Aznavour foi eleito artista do século pela CNN e pelos usuários da Time Online espalhados pelo mundo. Aznavour foi reconhecido como notável performer do século com cerca de 18% da votação total, desbancando Elvis Presley e Bob Dylan. Após a morte de Frank Sinatra, Charles Aznavour é o último dos “Grandes”. De acordo com uma pesquisa recentemente feita pela revista Time e pela CNN, Aznavour foi eleito “O Artista do Século”, desbancando Elvis Presley, Charlie Chaplin e John Lennon.

A lista de artistas que já cantaram Aznavour abrange de Fred Astaire a Bing Crosby, de Ray Charles a Liza Minelli. Elvis Costello gravou “She” para o filme “Notting Hill” O tenor Plácido Domingo é um grande amigo de Aznavour e freqüentemente canta seus hits, principalmente a versão de Aznavour de “Ave Maria”, de 1994.

No início do outono de 2006, Aznavour iniciou sua turnê de despedida, apresentando-se nos Estados Unidos e no Canadá, deixando ótimas lembranças. Para 2007, Aznavour tem concertos agendados no Japão e no resto da Ásia. Ele tem afirmado repetidamente que essa turnê de despedida, se a saúde lhe permitir, vai ultrapassar 2010. Aos 82 anos de idade, Aznavour demonstra excelente saúde. Ele ainda canta em várias línguas e sem teleprompters, mas tipicamente canta apenas em duas ou três - francês e inglês são as duas primárias - espanhol e italiano em terceiro lugar, durante a maioria dos concertos. Em 30 de setembro de 2006, Aznavour apresentou-se num grande concerto em Erevan, capital da Armênia, como estréia da série “Armênia, minha amiga” na França. O presidente armênio Robert Kocharian e o presidente francês Jacques Chirac, à época em visita oficial à Armênia, estavam na primeira fila.

[editar] Curiosidades

* Aznavour sempre foi consciente de sua baixa estatura — 1,60m. Por causa disso, no entanto, ele desenvolveu uma tremenda presença de palco e comando.
* Aznavour possui voz de tenor, mas geralmente estica para barítono.
* O apelido de Aznavour é Charles Aznavoice (Aznavoz), usado tanto por críticos quanto afetivamente por alguns fãs.

[editar] Prêmios e reconhecimentos

* Em 1996, Aznavour foi elencado no Hall da Fama dos Letristas.
* Em 1997, Aznavour foi premiado na França como artista masculino do ano.
* Em 1997, Aznavour foi premiado como César honorário.
* Em 1997, Aznavour foi nomeado Officier da Légion d´Honneur.
* Em 2004, Aznavour recebeu o título de “Herói Nacional da Armênia”.
* Em 2006, Aznavour foi laureado pelo 30º Festival de Cinema do Cairo.

ARMÊNIO Հայ: FILME: VodkaLemon 2003

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quarta-feira, 17 de março de 2010

HINO NACIONAL DA ARMÊNIA

"Mer Hayrenik" (no alfabeto armênio: Մեր հայրենիք) é o hino nacional da Armênia. Adoptado em 1 de Julho de 1991, adquiriu a mesma música do antigo hino, o hino da Primeira República da Armênia (1918-1920), mas com uma letra diferente. Esta foi adaptada de um poema de Mikael Nalbandian (1829-1866) que mais tarde foi transformado em música pelo compositor Barsegh Kanachyan (1885-1967). Seu título significa "Nossa Pátria".






Letra oficial



Մեր Հայրենիք
Մեր Հայրենիք, ազատ, անկախ
Որ ապրէլ է դարէ դար
Իւր որդիքը արդ կանչում է
Ազատ, անկախ Հայաստան:



Ահա՝ եղբայր, քեզ մի դրօշ,
Որ իմ ձեռքով գործեցի
Գիշերները ես քուն չեղայ,
Արտասուքով լուացի:



Նայիր նրան երեք գոյնով,
Նուիրական մէր նշան,
Թող փողփողի թշնամու դէմ,
Թող միշտ պանծայ Հայաստան:



Ամենայն տեղ մահը մի է
Մարդ մի անգամ պիտ՚ մեռնի,
Բայց երանի՚ որ իւր ազգի
Ազատութեան կը զոհուի:









Letra oficial (Transliteração)



Mer Hayrenik, azat ankakh,
Vor aprel eh dareh dar
Yur vortikeh ard kanchoom eh
Azat, ankakh hayastan.
Yur vortikeh ard kanchoom eh
Azat, ankakh hayastan.



Aha yeghbair kez mi drosh,
Vor im dzerkov gortzetsi
Gishernereh yes koon chegha,
Artasoonkov lvatsi.
Gishernereh yes koon chegha,
Artasoonkov lvatsi.



Nayir nran yerek gooynov,
Nvirakan mer nshan,
Togh poghpoghi tshnamoo dem,
Togh misht pantza Hayastan.
Togh poghpoghi tshnamoo dem,
Togh misht pantza Hayastan.



Amenayn tegh maheh mi eh
Mard mee ankam pit merni,
Baytz yerani vor yur azgi
Azatootyan keh zohvi.
Baytz yerani vor yur azgi
Azatootyan keh zohvi.



Mer Hayrenik, azat ankakh,
Vor aprel eh dareh dar
Yur vortikeh ard kanchoom eh
Azat, ankakh hayastan.
Yur vortikeh ard kanchoom eh
Azat, ankakh hayastan.









Letra oficial (em português)



A nossa Pátria, livre, independente,
Que tem vivido durante séculos
Está agora a convocar os seus filhos
Para a livre, independente Armênia
Está agora a convocar os seus filhos
Para a livre, independente Armênia.



Aqui está uma bandeira para ti meu irmão,
Que eu cosi
Durante noites sem sono,
E banhada nas minhas lágrimas
Durante noites sem sono,
E banhada nas minhas lágrimas.



Olha para ela, tricolor,
Um valioso símbolo para nós.
Deixai-a brilhar contra o inimigo.
Dexai a Armênia ser gloriosa para sempre
Deixai-a brilhar contra o inimigo.
Dexai a Armênia ser gloriosa para sempre.



A morte é a mesma em todo o lado,
Um Homem só morre uma vez,
Abençoado seja aquele que morre
Pela liberdade da sua nação
Abençoado seja aquele que morre
Pela liberdade da sua nação.



A nossa Pátria, livre, independente,
Que tem vivido durante séculos
Está agora a convocar os seus filhos
Para a livre, independente Armênia
Está agora a convocar os seus filhos
Para a livre, independente Armênia.
CARTA APOSTÓLICA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II




POR OCASIÃO DO 1700° ANIVERSÁRIO DO


BAPTISMO DO POVO ARMÉNIO












1. "Deus, maravilhoso e sempre providente, segundo a Vossa previsão, deste início à salvação dos Arménios".


Caríssimos Irmãos e Irmãs, o antigo hino litúrgico, que canta a iniciativa de Deus na evangelização do vosso nobre Povo brota do meu coração repleto de gratidão nesta feliz data, na qual celebrais o XVII centenário do encontro dos vossos antepassados com o cristianismo. Toda a Igreja católica rejubila na recordação da providencial purificação baptismal, graças à qual a vossa nobre e querida Nação começou definitivamente a fazer parte da multidão de povos que acolheram a vida nova em Cristo.


"Pois todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo" (Gl 3, 27). As palavras do Apóstolo Paulo revelam a singular novidade que o cristão adquire pelo facto de ter recebido o Baptismo. De facto, com este sacramento o homem é incorporado em Cristo, de forma que já pode afirmar com confiança: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20). Este encontro pessoal e irrepetível regenera, santifica e transforma o ser humano, tornando-o perfeito adorador de Deus e templo vivo do Espírito Santo. O Baptismo, ao inserir o discípulo na verdadeira videira que é Cristo, faz dele um ramo capaz de dar fruto. Tornado filho no Filho, ele é herdeiro da felicidade eterna, preparada desde a origem do mundo.


Por conseguinte, cada Baptismo é um acontecimento marcado pelo encontro de amor entre Cristo Senhor e a pessoa humana, no mistério da liberdade e da verdade. É um acontecimento que tem uma dimensão eclesial, como se verifica com qualquer outro sacramento: a incorporação em Cristo significa também a incorporação na Igreja, Esposa do Verbo, Mãe Imaculada e afectuosa. A respeito disto, o Apóstolo Paulo afirma: "Foi num só Espírito que todos nós fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo" (1 Cor 12, 13).


Esta incorporação na Igreja adquire uma visibilidade particular na história de alguns povos, para os quais a conversão foi um facto comunitário, ligado a acontecimentos ou circunstâncias particulares. Quando isto se verifica, fala-se de "Baptismo de um povo".


2. Caríssimos Irmãos e Irmãs do povo arménio, há dezassete séculos esta conversão comum a Cristo realizou-se para vós. Tratou-se de um acontecimento que marcou profundamente a vossa identidade; não só a identidade pessoal, mas também a comunitária, de forma que se pode com razão falar de "Baptismo" da vossa Nação, mesmo se na realidade a penetração do cristianismo já tinha sido iniciado desde há algum tempo na vossa Terra. A tradição atribui o seu início à pregação e à obra dos próprios santos apóstolos Tadeu e Bartolomeu.


Com o "Baptismo" da comunidade arménia, a começar pelas suas autoridades civis e militares, nasce uma identidade nova do povo, que se tornará parte constitutiva e inseparável do próprio ser arménio. Desde então já não foi mais possível pensar que, entre os componentes dessa identidade, não esteja a fé de Cristo, como elemento essencial. Aliás, a própria cultura arménia receberá do anúncio do Evangelho um impulso de extraordinário vigor: a "armeniedade" dará uma conotação profundamente característica a este anúncio e, ao mesmo tempo, este anúncio será uma força propulsora para um progresso sem precedentes da própria cultura nacional. Também a invenção do alfabeto arménio, facto determinante para a estabilidade e o carácter definitivo da identidade cultural do povo, estará estreitamente ligada ao "Baptismo" da Arménia e será querida e concebida como um verdadeiro e próprio instrumento de evangelização, antes de o ser como um instrumento de comunicação e de conceitos e notícias. Obra de São Mesrop-Masthoc', em colaboração com o santo Catholicos Sahak, o novo alfabeto permitirá aos Arménios receber as melhores linhas da espiritualidade, da teologia e da cultura de Sírios e Gregos, e de fundir tudo isto de maneira original com a contribuição da especificidade do próprio génio.


3. A conversão da Arménia, que se realizou no alvorecer do século IV e tradicionalmente situada no ano 301, deu aos vossos antepassados a consciência de ser o primeiro povo oficialmente cristão, muito antes que o cristianismo fosse reconhecido como religião própria do império romano.


É sobretudo o histórico Agatângelo que, numa narração rica de simbolismo, se detém a narrar pormenorizadamente os factos que a tradição coloca na origem dessa maciça conversão do vosso povo. A narração inspira-se no encontro providencial e dramático dos dois heróis que estão na base dos acontecimentos: Gregório, filho do Parto Anak, que cresceu em Cesareia de Capadócia, e o rei arménio Tiridate III. Na realidade, no início foi um confronto: Gregório, tendo-lhe sido pedido o seu sacrifício para a deusa Anahit, opôs-se com uma decidida recusa, explicando ao soberano que um só é o criador do céu e da terra, o Pai do Senhor Jesus Cristo. Tendo sido por isso submetido a cruéis tormentos, Gregório, assistido pelo poder de Deus, não se sujeitou. Considerando esta sua irredutível constância na confissão cristã, o rei mandou lançá-lo num poço profundo, um lugar incómodo e escuro infestado de serpentes, onde ninguém anteriormente tinha sobrevivido. Mas Gregório, alimentado pela Providência através da mão piedosa de uma viúva, permaneceu longos anos naquele poço sem sucumbir.


A narração prossegue contando as tentativas realizadas entretanto pelo imperador romano Diocleciano para seduzir a santa virgem Hrip'sime, a qual, a fim de se subtrair ao perigo, fugiu de Roma com um grupo de companheiras, procurando refúgio na Arménia. A beleza da jovem chamou a atenção do rei Tiridate, que se apaixonou por ela e quis fazê-la sua. Perante a obstinada recusa de Hrip'sime, o rei enfureceu-se e mandou matá-la, assim como as suas companheiras com torturas cruéis. Segundo a tradição, como pena pelo horrendo delito, Tiridate foi transformado num javali, e não pôde recuperar a aparência humana enquanto não obedeceu a uma indicação do Céu, libertando Gregório do poço no qual tinha permanecido durante treze longos anos. Tendo obtido o prodígio da recuperação do semblante humano pelas orações do Santo, Tiridate compreendeu que o Deus verdadeiro era o de Gregório e decidiu converter-se, juntamente com a sua família e com o exército e empenhar-se na evangelização de todo o País. Desta forma os Arménios foram baptizados e o cristianismo impôs-se como religião oficial da Nação. Gregório, que entretanto tinha recebido em Cesareia a ordenação episcopal, e Tiridate percorreram o País, destruindo os lugares de culto dos ídolos e construiram templos cristãos.


Depois de uma visão do Unigénito Filho de Deus encarnado, foi construída uma igreja em Vagharshpat, que do prodigioso acontecimento tomou o nome de Etchmiadzin, o que significa o lugar onde "o Unigénito desceu". Os sacerdotes pagãos foram instruídos na nova religião e tornaram-se os ministros do novo culto, enquanto os seus filhos constituíram o nervo do clero e do subsequente monaquismo.


Gregório retirou-se muito cedo para a vida eremita no deserto, e o filho mais jovem Aristakes foi ordenado Bispo e constituído chefe da Igreja arménia. Nesta qualidade participou no Concílio de Niceia. O historiador arménio conhecido com nome de Moisés de Corene define Gregório "o nosso progenitor e pai segundo o Evangelho" (1) e, para mostrar a continuidade entre a evangelização apostólica e a do Iluminador, refere a tradição segundo a qual Gregório teria tido o privilégio de ser concebido ao lado da sagrada memória do apóstolo Tadeu.


Os antigos calendários da Igreja ainda não dividida celebram-no, no Oriente e no Ocidente, no mesmo dia como apóstolo incansável de verdade e de santidade. Pai na fé de todo o povo arménio, São Gregório ainda hoje intercede do Céu, a fim de que todos os filhos da vossa grande Nação possam finalmente encontrar-se de novo à volta da única Mesa posta por Cristo, divino Pastor do único rebanho.


4. Esta narração tradicional encerra em si, paralelamente aos aspectos legendários, elementos de grande significado espiritual e moral. A pregação da Boa Nova e a conversão da Arménia, estão antes de mais fundadas no sangue das testemunhas da fé. Os sofrimentos de Gregório e o martírio de Hrip'sime e das suas companheiras mostram como o primeiro Baptismo da Arménia é precisamente o do sangue.


A componente do martírio constitui um elemento constante na história do vosso povo. A sua fé permanece indissoluvelmente ligada ao testemunho do sangue derramado por Cristo e pelo Evangelho. Toda a cultura e a própria espiritualidade dos Arménios estão invadidos do orgulho pelo sinal supremo do dom da vida no martírio. Sentem-se nelas os ecos dos gemidos devido ao sofrimento suportado em comunhão com o Cordeiro imolado para a salvação do mundo. Disto é símbolo o sacrifício de Vardan Mamikonian e dos seus companheiros que, na batalha de Avarayr (a. 451) contra a dinastia de Iazdegerd II que queria impor ao povo a religião mazdeísta, deram a vida para permanecer fiéis a Cristo e defender a fé da Nação. Na vigília do conflito, como narra o histórico Eliseu, os soldados foram exortados a defender a fé com estas palavras: "Quem pensava que o cristianismo fosse para nós como roupa, agora sabe que não no-lo pode tirar, como não nos pode tirar a côr da pele" (2). Trata-se de um testemunho eloquente da coragem que animava estes crentes: morrer por Cristo significava para eles participar na sua paixão, afirmando os direitos da consciência. Era preciso não permitir que fosse renegada a fé cristã, sentida pelo povo como um bem supremo.


A partir de então repetiram-se muitas vezes vicissitudes análogas, até aos massacres suportados pelos Arménios nos anos entre os séculos XIX e XX, que culminaram nos trágicos acontecimentos de 1915, quando o povo arménio teve de sofrer violências indizíveis, cujas consequências dolorosas ainda são visíveis na diáspora, à qual foram obrigados muitos dos seus filhos. É uma memória que não se pode perder. Várias vezes, no decurso do século que há pouco terminou, os meus Predecessores quiseram prestar homenagem aos cristãos da Arménia, que perderam a vida por mãos violentas (3). Eu próprio quis recordar os sofrimentos suportados pelo vosso povo: são os sofrimentos dos membros do Corpo místico de Cristo (4).


Os acontecimentos sanguinolentos, além de marcarem profundamente a alma do vosso povo, mudaram várias vezes a sua geografia humana, obrigando-o a contínuas migrações em todo o mundo. Merece ser realçado o facto de que, onde quer que os arménios tenham chegado, levaram a riqueza dos próprios valores morais e das próprias estruturas culturais, indissoluvelmente ligadas às eclesiásticas. Guiados pela confiante consciência do apoio divino, os cristãos arménios souberam manter firme nos seus lábios a oração de São Gregório de Narek: "Se fixar os olhos a observar o espectáculo do duplo risco no dia da miséria, que eu veja a tua salvação, ó providente Esperança! Se voltar o olhar para o alto em direção do caminho aterrador que tudo envolve, que venha ao meu encontro docemente o anjo da paz!" (5). De facto, a fé cristã, também nos momentos mais trágicos da história arménia, foi a mola propulsora que assinalou o início do renascimento do um povo cansado.


Assim a Igreja, seguindo os seus filhos peregrinos no mundo à procura de paz e de serenidade, constituiu a sua verdadeira força moral, tornando-se, em muitos casos, a única instância que eles puderam ter como ponto de referência, o único centro autorizado que apoiou os seus esforços e inspirou o seu pensamento.


5. Um segundo elemento de grande valor na vossa história atormentada, queridos Irmãos e Irmãs arménios, é constituído pela relação entre evangelização e cultura. A palavra "Iluminador", com a qual é designado São Gregório, realça muito bem a sua dupla função na história da conversão do vosso povo. De facto, "iluminação" é a palavra tradicional na linguagem cristã para indicar que, mediante o Baptismo, o discípulo, chamado por Deus das trevas para a sua admirável luz (cf. 1 Pd 2, 9), é inundado pelo esplendor de Cristo "luz do mundo" (Jo 8, 12). N'Ele, o cristão encontra o profundo significado da sua vocação e da sua missão no mundo.


Mas a palavra "iluminação", na acepção arménia, enriquece-se de um ulterior significado, porque também indica a difusão da cultura através do ensinamento, confiado em particular aos monges-mestres, continuadores da pregação evangélica de São Gregório. Como evidencia o historiador Koriun, a evangelização da Arménia levou consigo a vitória sobre a ignorância (6).


Com o espalhar da alfabetização e do conhecimento das normas e dos preceitos da Sagrada Escritura, foi permitido finalmente ao povo construir uma sociedade regida de maneira sábia e prudente. Também Agatângelo não deixa de anotar como a conversão da Arménia tenha implicado a emancipação dos cultos pagãos, que não só escondiam ao povo a verdade da fé, mas mantinham-no de igual modo numa condição de ignorância (7).


Por este motivo a Igreja arménia considerou sempre parte integrante do seu mandato a promoção da cultura e da consciência nacional e empenhou-se sempre para que esta síntese permanecesse viva e fecunda.


6. A narração tradicional dos factos relacionados com a conversão dos Arménios oferece motivos para uma reflexão. Em São Gregório o Iluminador e nas santas Virgens resplandece a força poderosa da fé, que leva a não se deter perante as tentações do poder do mundo, e torna capazes de resistir aos sofrimentos mais atrozes bem como às lisonjas mais aliciantes. No rei Tiridate podem ver-se as consequências provocadas pelo afastamento de Deus: o homem perde a própria dignidade degradando-se, de maneira a permanecer prisioneiro dos próprios desejos. De toda esta narração emerge uma verdade importante: não existe uma sacralidade absoluta do poder, e não significa que ele possa ser sempre justificado em tudo o que realiza. Ao contrário, deve-se reconhecer a responsabilidade pessoal das próprias escolhas: se elas são erradas, permanecem assim, mesmo que seja um rei quem as realiza. A humanidade reconstitui-se totalmente quando a fé desmascara o pecado, o iníquo se converte e encontra Deus e a sua justiça.


Nos edifícios cristãos, construídos no lugar onde se veneravam os ídolos, transparece a verdadeira identidade do cristianismo: isso encerra o que nele existe de verdadeiramente válido em sentido religioso da humanidade e sabe, ao mesmo tempo, propor a novidade de uma fé que não admite outros compromissos. Desta forma, edificando o povo santo de Deus, contribui também para o aparecimento de uma nova civilização na qual são sublimados os valores mais autênticos do homem.


7. Enquanto se desenvolvem as celebrações do XVII centenário da conversão da Arménia, o meu pensamento eleva-se ao Senhor do céu e da terra, ao qual desejo exprimir a gratidão de toda a Igreja por ter suscitado no povo arménio uma fé tão firme e corajosa e por ter apoiado o testemunho.


Uno-me de boa vontade a esta feliz comemoração, para contemplar juntamente convosco, caríssimos Irmãos e Irmãs, a inumerável multidão de Santos que teve a origem nesta terra abençoada e agora resplandece na glória do Pai. Trata-se de figuras que constituem um rico tesouro para a Igreja: são mártires, confessores da fé, monges e monjas, filhos e filhas que nasceram de novo da fecundidade da Palavra de Deus. Entre as figuras ilustres, quero recordar aqui São Gregório de Narek, que sondou as profundezas tenebrosas do desespero humano e entreviu a luz resplendente da graça que também nela brilhou para o crente, e São Nerses Shnorhali, o Catholicos que conjugou um extraordinário amor pelo seu povo e pela sua tradição cum uma clarividente abertura às outras Igrejas, num esforço exemplar de busca da comunhão na plena unidade.


Desejo dizer ao povo arménio, antes de mais, o meu obrigado pela sua longa história de fidelidade a Cristo, fidelidade que conheceu a perseguição e o martírio. Os filhos da Arménia cristã derramaram o seu sangue pelo Senhor, mas toda a Igreja cresceu e se consolidou em virtude do seu sacrifício. Se hoje o Ocidente pode livremente professar a própria fé, isto é devido também a quantos se imolaram, fazendo do seu corpo uma defesa para o mundo cristão, nas suas extremas ramificações. A sua morte foi o preço da nossa segurança: agora eles resplandecem envolvidos em cândidas vestes e cantam ao Cordeiro o hino de louvor na bem-aventurança do Céu (cf. Ap 7, 9-12).


O património de fé e de cultura do povo arménio enriqueceu a humanidade de tesouros de arte e de talento, que agora se encontram espalhados em todo o mundo. Mil e setecentos anos de evangelização fazem desta Terra um dos berços da civilização cristã, para a qual se dirige com um olhar de admiração a veneração de todos os discípulos do Mestre divino.


Embaixadores de paz e de laboriosidade, os Arménios percorreram o mundo e, com o árduo trabalho das suas mãos, ofereceram um precioso contributo para o transformar e tornar mais próximo do projecto de amor do Pai. O povo cristão sente-se feliz pela sua presença generosa e fiel e deseja que eles possam encontrar sempre simpatia e compreensão em todas as partes do mundo.


8. Desejo dirigir, ainda, um pensamento particular a todos os que se empenham para que a Arménia supere os sofrimentos de tantos anos de regime totalitário. O povo espera sinais concretos de esperança e solidariedade, e estou certo de que a recordação grata das próprias origens cristãs é para cada Arménio motivo de conforto e de estímulo. Faço votos para que a memória viva dos prodígios realizados por Deus entre vós, caríssimos fiéis arménios, vos ajude a redescobrir em plenitude a dignidade do homem, de cada homem, de qualquer condição, e vos estimule a apoiar em bases espirituais e morais a reconstrução do País.


Formulo fervorosos votos para que os fiéis continuem com coragem o seu empenho e os seus já notáveis esforços, de forma que a Arménia de amanhã refloresça nos valores humanos e cristãos da justiça, da solidariedade, da igualdade, do respeito, da honestidade e da hospitalidade, que estão na base da convivência humana. Se isto se verificar, o Jubileu do povo arménio dará plenamente o seu fruto.


Estou certo de que a data dezassete vezes centenária do Baptismo da vossa querida Nação será um momento significativo e particular para continuar com vigor o caminho do diálogo ecuménico.


As cordiais relações já existentes entre a Igreja Apostólica Arménia e a Igreja Católica tiveram, nos últimos decénios, um impulso decisivo também através dos encontros das mais altas Autoridades daquela Igreja com o Papa. Como esquecer, neste contexto, as memoráveis visitas ao Bispo e à comunidade cristã de Roma de Sua Santidade Varken I em 1970, do inesquecível Karekin I em 1996, e a recente visita de Karekin II? Depois, a entrega a Sua Santidade Karekin II, na presença do Patriarca armenio-católico, da relíquia do Pai da Arménia cristã, que eu próprio tive a alegria de realizar recentemente, para a nova catedral de Yerevan, constitui uma ulterior confirmação do vínculo profundo que une a Igreja de Roma a todos os filhos de São Gregório o Iluminador.


É um caminho que deve continuar com confiança e coragem, a fim de que todos possam ser cada vez mais fiéis ao mandamento de Cristo: ut unum sint! Nesta perspectiva, a Igreja arménio-católica deve oferecer o seu decisivo contributo mediante a "oração, o exemplo da vida, a escrupulosa fidelidade às antigas tradições orientais, o mútuo e mais profundo conhecimento, a colaboração e a fraterna estima de coisas e pessoas" (8).


Com os Arménios e para os Arménios presidirei daqui a poucos dias a uma solene Eucaristia de louvor para agradecer a Deus o dom da fé dele recebido, rezando para que o Senhor "reúna em unidade todos os povos na sua santa Igreja, que surgiu sobre os fundamentos dos Apóstolos e dos Profetas, e a conserve imaculada até ao dia em que Ele voltar" (9). Naquela celebração estarão presentes na única Mesa do Pão de vida os Irmãos e as Irmãs que já vivem a comunhão plena com a Sé de Pedro e, desta forma, enriquecem a Igreja Católica com o próprio contributo insubstituível. Mas o meu profundo desejo é que aquela sagrada Acção de graças abrace idealmente todos os Arménios, onde quer que se encontrem, para exprimir com uma única voz o reconhecimento de cada um a Deus pelo dom da fé, no sagrado ósculo da paz.


9. O meu pensamento dirige-se para a "Mãe da Luz, Maria, a Virgem santa que gerou segundo a carne a Luz que provém do Pai, e se tornou o alvorecer do Sol de justiça" (10). Venerada com profundo afecto com o título de Astvazazin (Mãe de Deus), ela está presente em todos os momentos da atormentada história daquele povo. São principalmente os textos litúrgicos e homiléticos que escancaram os tesouros da devoção mariana que, ao longo dos séculos, assinalou a afeição filial dos Arménios à Escrava do grande mistério da salvação. Além de a recordar quotidianamente na Divina Liturgia e em todas as horas do Ofício divino, a oração da Igreja prevê festas ao longo do ano que recordam a sua vida e os mistérios de mais relevo. A ela se dirigem os fiéis com confiança, para solicitar que a sua intercessão junto do Filho: "Templo da Luz sem manchas, tálamo inefável do Verbo, tu, que destruíste a triste maldição da mãe Eva, implora ao teu Filho Unigénito, que nos reconciliou com o Pai, para que nos prive de qualquer perturbação e conceda a paz às nossas almas" (11)! Virgem do Socorro, Maria é venerada como a rainha da Arménia.


Luminosa glória, na multidão dos Santos arménios cantores da Mãe de Deus, é sem dúvida São Gregório de Narek, o grande Vardapet (doutor) mariano da Igreja Arménia, que também eu quis recordar na Encíclica Redemptoris Mater (12). Ele saúda a Virgem Santa como "Sede predilecta da vontade da Divindade encarnada" (13). Com as suas palavras, se eleve a súplica da Igreja em festa, para que este Jubileu do Baptismo da Arménia seja motivo de renascimento e de alegria:


"Aceita o cântico de bênção dos nossos lábios e digna-te conceder a esta Igreja os dons e as graças de
Sião e de Belém, para que possamos ser dignos de participar na salvação no dia da grande manifestação
da glória indestrutível do imortal salvador e teu Filho,


o Unigénito" (14).


Sobre todo o povo arménio e sobre as próximas celebrações, invoco a plenitude das bênçãos divinas, fazendo minhas as palavras do histórico Agatângelo: "Eles, dirigindo estas palavras ao Criador, digam: "Senhor, Vós sois o nosso Deus", e Ele lhe diga: "Vós sois o Meu povo" (15), para glória da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Amen.






Vaticano, 2 de Fevereiro de 2001.


 Notas




1) História da Arménia, Veneza 1841, pág. 265.
2) História de Vartan e da guerra dos Arménios contra os Persas, cap. V, Veneza 1840, pág. 121.
3) Cf. BENTO XV, Discurso no Sagrado Consistório (6 de Dezembro de 1915) AAS VII (1915), 510; Carta aos Governantes dos povos beligerantes (1 de Agosto de 1917): AAS IX (1917), 419; PIO XI, Discurso no Consistório para a beatificação dos veneráveis João Bosco e Cosme de Carboniano (21 de Abril de 1929): Discorsi II, 64; Carta Enc. Quinquagesimo ante (23 de Dezembro de 1929): AAS XXI (1929), 712; PIO XII, Discurso aos fiéis arménios (13 de Março de 1946): Discorsi e messaggi VIII, 5-6.
4) Homilia durante a Divina Liturgia em rito arménio (21 de Novembro de 1987), 3: Insegnamenti X/3 (1987), 1177; Discurso na abertura da exposição Roma-Arménia (25 de Março de 1999), 2: L'Osserv. Rom. 26 de Março de 1999, pág. 4; Discurso por ocasião da visita de Sua Santidade Karekin II (9 de Novembro de 2000); L'Osserv. Rom. 11 de Novembro de 2000, pág. 5.
5) Livro das Lamentações, Palavra II, b, ed. Studium, 1999, pág. 164-165.
6) Cf. História da vida de São Mesrob e do início da literatura arménia, Veneza 1894, págs. 19-24.
7) Cf. Agatângelo, História, 2, Veneza 1843, págs. 196-198.
8) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre as Igrejas orientais Orientalium Ecclesiarum, 24.
9) Antigo "Cântico para todas as festas da Virgem Santa Maria", em Laudes et hymni ad SS. Mariae Virginis honorem ex Armenorum Breviario excerpta, Veneza 1877, XVII, 118.
10) CATHOLICOS ISACCO III, Hino para a festa da santa Cruz, em Laudes et hymni ad SS. Mariae Virginis honorem ex Armeniorum Breviario excerpta, Veneza 1877, XIII, 88-89.
11) S. NERSES SHNORHALI, Hino em honra da Virgem Santa Maria, em tempo de Quaresma, em Laudes et hymni ad SS. Mariae Virginis honorem ex Armeniorum Breviario excerpta, Veneza 1877, IX, 81.
12) Cf. n. 31: AAS 79 (1987), 404.
13) Discurso panegírico à B.A.V. Maria, Veneza 1904, pág. 16; 24.
14) Ibid.
15) História, 2, Veneza 1843, pág. 200.

RELIGIÃO DA ARMÊNIA ( Հայաստան )

HISTÓRIA DA RELIGIÃO NA ARMÊNIA


Armênia: a primeira nação cristã do mundo

As origens da civilização armênia remontam a cerca de 2.000 antes de Cristo. Os armênios são um dos povos mais antigos do planeta e a Armênia foi a primeira nação do mundo a se tornar oficialmente cristã. Isso aconteceu no ano de 301, antes mesmo de o Império Romano abraçar o cristianismo. Atualmente, embora seja unida ao Papa, a Igreja Armênia Católica conserva suas próprias tradições e costumes.

Gregório, o Iluminador

No final do século III, um homem chamado Gregório, que havia sido educado em um dos principais centros do cristianismo da época, em Cesaréia, na Capadócia, foi jogado por ordem do rei Tiridate III, em um poço escuro e cheio de cobras por ter se recusado a oferecer sacrifícios à deusa Anahide. Gregório alegou que um só era o criador do céu e da terra, o Pai do Senhor Jesus Cristo.

Mais tarde, Tiridate teve o rosto transformado no de um porco selvagem por ter mandado matar com torturas uma bela moça cristã que, refugiada em seu reino para escapar da sedução do imperador romano Diocleciano, também recusou as investidas do rei.

Obedecendo a uma indicação do céu, o rei castigado retirou Gregório do poço. Ele tinha ficado lá por treze anos. Gregório, então, orou pelo rei que tantos crimes cometera, e o rei voltou prodigiosamente a ter o semblante humano.

Diante disso, Tiridate compreendeu que o Deus de Gregório era o verdadeiro e se converteu, junto com a família e o exército. Mais que isso, ele decidiu trabalhar pela conversão de todo o país. Assim, o povo todo foi batizado e a Armênia se tornou o primeiro país oficialmente cristão. Junto com Gregório percorreram o país destruindo templos pagãos e construindo igrejas cristãs. Por seu papel na conversão do povo, Gregório é conhecido como “O Iluminador”.

A Igreja Armênia

Uma das dificuldades do cristianismo na Armênia era a ausência de um alfabeto próprio. No ano de 405, um sábio, Mesrob Machdots, decidiu criar um alfabeto e uma liturgia próprios. Por esse trabalho ele foi canonizado São Mesrob.

No entanto, dificuldades políticas e de comunicação fizeram com que a igreja armênia fosse se afastando aos poucos da comunhão católica. A Armênia não teve representantes nos importantes concílios de Constantinopla (381), Éfeso (431), e Calcedônia (451).

O Monofisismo, condenado pelo Concílio da Calcedônia, era uma doutrina de muitos adeptos na época e dizia que a natureza divina de Cristo absorvia sua natureza humana. Os armênios receberam as conclusões do Concílio da Calcedônia, mas a tradução era ruim e imprecisa. O monofisismo entrou na Igreja Armênia e em um sínodo, em 525 a Igreja Armênia condenou o Concílio de Calcedônia, separando-se da Comunhão. Assim se instituiu a Igreja Apostólica Armênia, que não é católica, existe até hoje e abrange a maioria dos armênios em todo o mundo.

No decorrer dos séculos houve várias tentativas de reunir a Igreja Armênia ao catolicismo. Em 1730, foi fundada uma ordem Armênia católica (“Antoninos armênios”) por Dom Abrão Ardvizian, eleito primeiro patriarca dos Armênios católicos e reconhecido como tal pelo Papa Bento XIV, em 1742, ano da fundação da Igreja Armênia Católica.

RELIGIÂO

A Igreja Apostólica Armênia., também chamada incorretamente de Igreja Ortodoxa Armênia, é o movimento cristão nacional mais antigo do mundo. O Cristianismo foi levado pelos apóstolos São Judas Tadeu e São Bartolomeu, que lá pregaram e foram martirizados. Mas a ligação do país com a religião é bem anterior. Na Bíblia, conta que a Arca de Noé encontrou no Monte Ararat (Atual Turquia) o ponto para encalhar e lá começar um novo mundo. A religião foi incorporada por grande parte da população, mas ainda existiam focos consideráveis de paganismo e zoroastrismo. Em 301, a Armênia se tornou a primeira nação do mundo a se tornar oficialmente cristã, 12 anos antes de Constantino dar liberdade de culto aos cristãos em Roma. Essa conversão deve-se a São Gregório, o Iluminador e ao rei Trdat III. As famílias do monge e do rei eram de dinastias rivais, que há anos vinham brigando pelo poder na Armênia e na Pérsia. Quando Trdat III foi coroado, Gregório (Ou Krikor em armênio), compareceu na coroação, sendo revelado para todos quem era (adversário do rei e cristão). Trdat III mandou encarcerar Krikor num poço aos pés do Monte Ararat e lá ele ficou por 15 anos. A tradição do país conta que o Rei Trdat III ficara com acessos de licantropia , passando a agir como um javali. Nenhum dos tratamentos ministrados ou ritos pagãos fizeram efeito. Atendendo aos apelos da irmã do Rei, Krikor foi tirado do poço e colocou-se a orar pelo Rei, fazendo assim este voltar a sua consciência. Em agradecimento, o Rei proclamou Cristo como único na Armênia e Krikor como chefe da Igreja Apostólica Armênia, construindo perto de Erepuni (atual Erevan capital da Armênia) uma catedral para ser a Santa Sé Armênia. Esse templo foi chamado de Etchmiadzin e foi construido com pedras trazidas diretamente do Monte Ararat.




A Igreja Apostólica Armênia se separou das demais Igrejas do mundo após o Concílio de Calcedônia em 451, por não aceitar as determinações consideradas pró-nestorianistas. Esse cisma a separa tanto das suas irmãs Católicas quanto das suas irmãs Ortodoxas, pois a Igreja Armênia aceita apenas a autoridade dos três primeiros Concílios Ecumênicos, enquanto a Igreja Ortodoxa aceita sete e a Romana aceita vinte. A Igreja Armênia é chamada de monofisista por alguns mas vale lembrar que ela também considerou herética a existência apenas da natureza divina de Cristo, defendida por Eutiques, mas também refutou a existência bem delimitada e inconfusa de Humanidade e Divindade na pessoa de Jesus, defendida por Nestório. A Igreja Armênia achou um ponto de equilíbrio entre as duas doutrinas, aceitando que em Jesus há a parte humana e a parte divina, havendo apenas uma natureza do verbo encantado.



A Igreja Apostólica Armênia desde então mantem-se independente e autônoma de todas as outras Igrejas do mundo, tendo sua sede patriarcal em Etchmiadzin. Ela foi importante instituição para manter a armenidade na diáspora armênia, decorrente do genocídio armênio em 1915.

MAPAS DA ARMENIA


sábado, 13 de março de 2010

Revista Ética e Filosofia Política




Junho de 2007




Dossiê Direitos Humanos1


Armênia, um povo em luta pela liberdade: o mais longo genocídio da história


A. H. Campolina Martins*


O estado da questão


Em três milênios de história, os armênios conheceram longos
períodos de opressão e curtos momentos de liberdade, o maior deles a
partir do governo de Tigranes II, o Grande (94-56 a.C.). Por sua
localização geopolítica, entre o Mar Mediterrâneo, o Mar Cáspio e o Mar
Negro, um enclave entre o Ocidente e o Oriente, ou por sua opção
religiosa, o primeiro Estado a adotar o cristianismo como religião oficial, a
Armênia sempre teve diante de si a cobiça e a intolerância de outros
povos. Assírios, medos, persas, macedônios, partos, romanos, bizantinos,
árabes, mouros e turcos deram vez uns aos outros no domínio sobre essa
nação que teimava em preservar sua cultura. Se a adoção do cristianismo
contribuiu para o afastamento da Armênia do mundo oriental, a opção
pelo monofisismo, segundo o qual, Jesus Cristo tem uma única natureza, a
divina, ajudou a afastá-los também do Ocidente e das Igrejas
Calcedonenses. Para complicar, quando não sofreram com o jugo externo
se defrontaram com a ameaça interna, no seu próprio território, viram sua
pátria cindir-se e cumpriram sua sina: emigrar. A Questão Armênia, a
Causa Armênia surgiu como uma das mais polêmicas da política
internacional no século passado, assim como uma postura de luta
concreta, acentuada pela ação sistemática do Império Otomano em não só
acabar com a idéia de liberdade, mas também com aqueles que a
pregavam, o povo armênio.


Introdução


Antes de tudo gostaríamos de explicar o sentido formal, o sentido
exato deste dossiê expresso na segunda parte do seu título: o mais longo
genocídio da história. Quando dizemos o mais longo genocídio da história
nos referimos a um período que abrange de 1895 à 1923, à Causa
Armênia, ao Problema Armênio, à Questão Armênia, iniciada no século.
Doutor em Moral, professor de Ética do Departamento de Filosofia da UFJF
XIX, depois de 1878, passando pelo grande massacre de 1895 e que se
prolonga com a traição dos jovens turcos (1905-1907), atingindo o seu
apogeu em 1915 com o genocídio propriamente dito. A comemoração deste
genocídio se faz, a cada ano, no dia 24 de abril. Este longo período termina
em 1921-1923 quando não só os armênios mas também os gregos foram
vítimas dos turcos.
Dividiremos este texto em três partes: primeiramente, faremos a
diagnose da situação, ou seja, estudaremos o Problema Armênio, a
Questão Armênia, a Causa Armênia, a partir do que foi dito, falado e
publicado na imprensa, na televisão, nesta década de 90 2; num segundo
momento, elaboraremos o perfil do armênio e o do turco, isto é, diremos
quem é o armênio e quem é o turco; e num terceiro momento, nos
fixaremos de maneira mais precisa no Problema Armênio, na Questão
Armênia, ou melhor, na Causa Armênia, levando em consideração,
sobretudo, os interesses econômicos europeus, em se tratando do Oriente
Médio, e o assim Chamado "Terrorismo Armênio".


Diagnose a partir da Mídia


As emissoras de TV, os jornais, as revistas nacionais e
internacionais têm publicado, neste últimos anos, matérias, artigos sobre
o que vem acontecendo na Armênia e sobretudo, no Azerbaijão. As
palavras Naquichevan, Nagorno Karabach3 se tornaram sons que
escutamos freqüentemente e já nos são até mesmo familiares. Como
explicar a existência de colônias armênias, deste reduto armênio, dentro
do Azerbaijão? Sabemos que existem, atualmente, espalhados pelo mundo,
mais ou menos sete milhões de armênios, dos quais quatro milhões vivem
na antiga União Soviética. Dos quatro milhões de armênios da antiga
União Soviética, dois milhões vivem na República da Armênia4 - o Estado
Armênio juridicamente constituído com 49.000 km2 - e na República da
Geórgia. Os outros dois milhões de armênios vivem no Azerbaijão e no
Turquestão, regiões habitadas por povos de muçulmanos e, portanto,
inteiramente diferentes dos armênios em todos os sentidos: diferentes pela
cultura, pela religião, pela língua e pela índole, muito mais parecidos com
os turcos do que com os armênios cristãos. A diferença que se evidencia
nesta região é precisamente cultural. Se os azerbaijanes possuem a
mesma índole, a mesma religião, a mesma configuração étnica dos turcos,
podemos dizer que o problema fundamental é o problema turco-armênio,
armênio-turco, o problema entre turcos e armênios. Por isso, vamos nos
deter na causa, no núcleo do problema que é o Império Otomano
invadindo, estuprando, deportando, matando toda uma raça desde 1895
até 1923 com as conseqüências que os armênios carregam até os nossos
dias.


Perfil dos povos em conflito


Os armênios
Primeiramente gostaríamos de falar sobre os armênios. Quem são os
armênios, quem é este povo, esta raça ?5. Podemos dizer que os armênios
são descendentes dos hurritas que vindos da Índia, dominaram os
planaltos do noroeste do Irã a partir do século XVIII a.C. em cortes bem
ordenadas - uma organização militar superior a tudo o que era conhecido
na época - dirigidos pelos seus dinastas indoarianos. Os hurritas chegam
à Ásia Menor não conseguindo fundar um reino único por falta de
entendimento entre os seus chefes. Estabelecem, então, pequenos,
numerosos estados (principados) entre Khabur e Belikh (no curso superior
do Eufrates), ao longo do rio e até o sul da Palestina. Pode-se dizer, então,
que uma raça desconhecida, falando uma língua algo aparentada à dos
urartianos e de algumas tribos do Cáucaso, deixa a sua marca no Oriente
Próximo Ocidental, com seus conceitos cavalheirescos, seus deuses, e sua
arte, que dão um aspecto novo à região. Estamos justamente na época de
Hamurabi, rei de Babilônia.
No séculos XV a.C., os principados hurritas reuniam-se e formavam
o reino de Mitanni, entre Khabur e Belikh. E mantinham sob o seu
domínio Assur e todo o curso superior do Tigre. Uma revolta dos assírios
foi duramente reprimida pelo ano de 1450 a.C. por Chochatar, rei de
Mitanni, que saqueou e levou os tesouros para a sua capital Vachukkani.
Mas os hurritas, povo turbulento no qual cada chefe queria declarar-se
igual a qualquer outro chefe e não se submeter à sua vontade, à
autoridade do rei, carregavam dentro de si os germes da discórdia.
Bastava ser o soberano um pouco fraco ou mau político, para que cada
facção se declarasse inimiga do rei e adversária das outras rivais ao
mesmo tempo. Foi justamente em decorrência desta falta de entendimento
entre os principados Hurritas que, dois séculos mais tarde, os hititas e os
assírios dividiram entre si o reino de Mitanni. O rei da Assíria, rindo da
pretensa superioridade Hitita, apropriou-se da herança hurrita,
começando as guerras de conquistas, as deportações e os genocídios
sangrentos.
Desde o século XIII a.C., os assírios deram o nome de Uratri aos
planaltos armênios, termo que designa uma região de montanhas.
Posteriormente passaram a denominar de "País Nair" o conjunto formado
pelas tribos hurritas que viviam em Uratri. Sob Assurbanipal II, a região
é chamada ora Urartu, ora Nairi. No século IX a.C., o rei Aramé, reunindo
os estados de Nairi, criava o reino de Urartu. Urartu é o mesmo que
Ararat, diz Ciro da Pérsia. Já em 515 a.C., encontramos esta expressão
Urartu como sinônimo de Ararat. Solidamente implantado em torno do
lago Van (então chamado Mar de Nairi), o reino de Urartu expandia-se
para leste. A cidade de Van (então Tuchpá), é a capital deste reino; a
partir dela se criou a Armênia atual. Urartu estendia-se sobre mais de
dois milhões de quilômetros quadrados e englobava conjuntamente o que
viria a ser mais tarde a grande Armênia, a Cilícia, os principados de
Karabach (isto é, uma parte da Turquia atual, o Trans-Cáucaso e o
noroeste do Irão até Tabriz). Urartu acabou se livrando dos assírios.
Urartu dominava a Ásia Menor, mas as lutas e os domínios recíprocos e
alternados entre Mitanni e Assur, entre Hanigalbat e Assur,
posteriormente entre Assur e Nairi, e finalmente entre Urartu e Assur,
haviam também criado laços políticos, administrativos e culturais.
Urartu, que possuía uma escrita ideográfica própria, preferiu utilizar a
escrita assíria, derivada ela própria dos caracteres cuneiformes sumérios.
O estado urartiano conservou seus hieroglifos só para o uso da
administração e finanças. Assim, portanto, torna-se possível decifrar a
escrita urartiana através dos caracteres assírios.
Do reino de Menuá, filho de Ichpuini (entre 800 a 780 a.C.) começou
a grandeza de Urartu. O reino se cobre de cidadelas, templos, belos
palácios no meio de pomares com árvores desabando de frutas, de
vinhedos e campos irrigados e cultivados. Tuchpa, capital rica e próspera,
cercada de muralhas ciclópicas, recebia sua água por um aqueduto de 80
km de comprimento construído através de montanhas. Argichti, filho de
Menuá, ampliou o seu território para leste e para o vale do Araks, sobre a
fortaleza de Arimpert, foi fundada Erebuni, Erevan, atual capital da
Armênia. Por sete séculos, desenvolveu-se aí, uma civilização que não
tinha nada a invejar aos maiores países da Antigüidade, desde a Suméria
até Roma.
No século VI a.C., o reino de Urartu, esgotado pelas lutas
incessantes contra os assírios e pelas dissensões internas, foi atacado no
ocidente pelos frígios e na região leste por uma nova tribo indoariana, os
cimerianos. Os montes de Urartu viraram campo fechado de batalhas
entre frígios, cimerianos, citas, medos e até persas aquemênidas. O povo
armênio é, portanto, oriundo da mistura de todos esses povos e dos
autóctones urartianos. Os textos armênios e a tradição englobam esses
diversos invasores sob dois termos: os hais e os armens. Pode-se também,
notar, que o elemento dominante foi constituído pelo povo frígio que, seis
séculos antes, havia conquistado o reino Hatti, prosseguindo a política de
expansão para leste, o que caracterizou a obra dos hititas vencidos. A
despeito dessas misturas nas quais são encontrados os hititas, os assírios,
os gregos e outros povos da Mesopotâmia e da Palestina, como os gutos,
kassites, arameus e até caldeus e hebreus, a base de formação do povo
armênio é constituída pelo elemento urartiano. São encontrados indícios
de civilização de Urartu nas igrejas e nos monumentos da Armênia cristã.
É portanto no século VI a.C., como comprovam os textos de Dario I,
gravados nas rochas de Behistun, e na menção de Heródoto, que aparece o
termo Armênia para designar a herança hurrita e urartina. Pode-se ligar
este termo à denominação armêm relatada pela tradição popular do
Cáucaso, enquanto os próprios Armênios chamam o seu país de Haiastan,
dando preferência aos Hais.
Fora destas influências, nada mais, salvo o cristianismo, iria
modificar profundamente as características do povo armênio, herdeiro
direto das civilizações mesopotâmicas. Os armênios se misturaram
estreitamente a povos semitas e criaram, na alegria e no sofrimento, na
paz e nas lutas cruéis, diferentes organizações sociais e culturais. Eis aí,
em conclusão, a origem do povo armênio, unidos a mais antigos rebentos
da árvore do Ocidente.
A Armênia é, antes de tudo, uma nação cristã. Os dois
evangelizadores que entraram na Armênia, por fronteiras diferentes, só se
encontraram uma única vez. Bartolomeu que foi o primeiro a declarar o
Cristo Filho de Deus (João 1, 49), foi martirizado em 68 em Albanus
(Bachkale). Se a tradição é perfeitamente segura no que concerne ao
apóstolo Bartolomeu, são divididas as opiniões quanto a Tadeu. Para a
maioria, trata-se do apóstolo Tadeu ou Judas; mas há uma minoria para
qual é Tadeu Dídimo, de Edessa, antes discípulo, do que apóstolo de
Jesus. Na mesma época do martírio de Tadeu, foram igualmente
martirizados bispos, senhores nobres, gente simples, milicianos, príncipes
de sangue real, sátrapas; o seu túmulo foi erigido em Ardaze, hoje Maku.
Os túmulos dos dois evangelizadores, denominados por antonomásia "os
primeiros iluminadores da Armênia", situados no sudeste da Armênia
Antiga, tornaram-se santuários venerados. Segundo Ormanian, a missão
de Tadeu durou 8 anos (35 a 43) e a de Bartolomeu 16 anos (44 a 60).
Ambos evangelizavam, formavam discípulos, ordenavam bispos e
implantavam a novidade do cristianismo nas montanhas da Armênia. A
população dessas regiões, constantemente submetida às lutas de
influência dos grandes entre si, forçada a fornecer contingentes de
guerreiros para defender os interesses de Roma ou os primos persas de
seus reis arsácidas, vivendo num mundo sem piedade na encruzilhada das
invasões, não podia ficar indiferente às palavras de bondade e de
fraternidade pregadas pelos apóstolos de Jesus Cristo. Apesar de ser a
Igreja armênia constituída de modo independente e autocéfala desde o
primeiro século apostólico, estava longe de ser alcançada pelo cristianismo
a grande massa de sua população. Esta continuava ligada a seus antigos
deuses, herdados na Índia através dos hurritas, medos, persas, panteão
refinado pelos costumes helênicos e modernizado pela influência romana.
Os bispos armênios, diante da hostilidade desses pagãos, viram-se
forçados a transferir a sua sede de uma cidade a outra; as duas
localidades freqüentemente citadas são: Sunik e Ardaze. A Igreja Armênia
foi, pois, fundada pelos apóstolos Bartolomeu e Tadeu. Estes
estabeleceram um episcopado ativo que soube manter-se até o fim do
século III d.C. (o último patriarca, S. Mehrujan, ocupou a sede de Ardaze
até cerca de 260). Os milhares de mártires provam a amplitude da
penetração do cristianismo na Armênia. Citaremos somente Santo Acácio
e seus dez mil milicianos torturados e massacrados pela sua fé cristã em
Ararat, sob o reino de Adriano, por ser este acontecimento comemorado
concomitantemente pelos martirológios armênio e latino. No ano de 301,
com a conversão do rei Tiridat III, o Grande, a Armênia seria o primeiro
país do mundo a proclamar o cristianismo como religião de Estado. Doze
anos mais tarde, em 313, o Imperador Constantino reconheceria a religião
cristão como livre em seu Império. E só na altura do ano 323, ele próprio
se converteria e seria batizado ao morrer em 337. Ora, a Armênia se
tornou cristã bem antes do Imperador Constantino fazer da Igreja
perseguida a Igreja protegida do Império Romano.
No século V da nossa era, nos deparamos com o alfabeto armênio.
Mesrop vai ser o iniciador e quem faz cristalizar esta língua que passa a
ser agora também escrita. O alfabeto é um dos laços culturais do povo
armênio. Um sistema gráfico que resiste desde o século V, inclui 31
consoantes e 7 vogais, tem letras maiúsculas e minúsculas, escreve-se da
esquerda para a direita e impressiona pela sua personalidade e limpeza
visual. Através do alfabeto armênio manifestam-se autores importantes
como Moisés de Khorene, Gregório de Narek, Nerses IV, Gregório de
Tathev, Nahapet Kuchak, Gabriel Sunderkian, Raffi e Auetiq Isabakian.
A tradição local atribui a dois santos da Igreja Armênia, São Mesrop e São
Sahak, auxiliados por um grego de nome Ruponos a invenção do alfabeto
no século V. Criava-se um sistema próprio para marcar a separação da
igreja armênia da grega e síria e abrir a leitura dos textos bíblicos e de
caráter religioso para os fiéis que falavam só a língua armênia, já que até
então atendiam somente àqueles que sabiam o aramaico ou grego. É uma
grafia provavelmente derivada do alfabeto da Pérsia - o armênio esteve
sob o domínio persa até o século VII com influências siríacas e gregas. De
início, o alfabeto armênio compreendia 36 letras, incorporando, no século
XII, outras duas, para exprimir as palavras trazidas pelos cruzados. São
Merosp e São Sahad fundaram uma escola de tradutores que verteu a
Bíblia para o armênio e desenvolveu intensa atividade, de tal modo que o
século V foi considerado o século de ouro da literatura armênia. Os mais
antigos documentos que restavam nesse alfabeto datam dos séculos IX e
X, mas foi somente no século XVIII, com o estabelecimento de tipografias
em vários centros, inclusive em Veneza, na ilha de San Lázaro, que se
verteram obras fundamentais da cultura ocidental. Um dos fatores
responsáveis pelo desenvolvimento da cultura armênia, o alfabeto
estabilizou a língua falada e contribuiu para a união da igreja e da nação
armênia, acompanhando o povo onde quer que estivesse, no território
pátrio ou na diáspora.
O armênio é hoje falado por cerca de sete milhões de pessoas e sua
escrita é o código comunicador no qual se concentram todos aqueles para
os quais o termo Armênia é muito mais que uma simples palavra,
significando a própria identidade nacional.


Os turcos


Quem é o turco? O que é a Turquia? Turco significa "gente de força"
e encontramos aí dois grupos propriamente ditos, os ceudiúcidas, no
século XI, e os otomanos que têm origem em 1300 mais ou menos. A
origem dos turcos é a seguinte: um povo vem do Turquestão, um povo
guerreiro, gente de força; eles invadiram a Ásia Menor e converteram
todos os habitantes desta região, à força, ao Islã. Absorveram todos os
povos de raça diferente, entre estes, os armênios do estado de Gob até o
Mar Cáspio. Em 1071, eles invadiram justamente esta região e em 1300
chegaram à Anatólia, tomaram todo o Império Bizantino, inclusive
Constantinopla que resistiu durante quatro séculos. Os otomanos
aterrorizaram o mundo por 300 anos. Em 1299, Otomano adotou o título
de sultão e partiu para a conquista da Europa. Sob seu sucessor,
Orkhanni, os turcos vão conquistar Constantinopla em 1453, dando início
ao século de ouro, que vai ser justamente o século por excelência do
florescimento do império otomano (daí em diante, encontramos uma
decadência total). Os turcos são guerreiros que descem do Turquestão e
vão tomando os lugares por onde passam, chegando mesmo a Viena. Toda
a península balcânica vai ser submetida ao Império Otomano. Para os
habitantes não turcos do império otomano o mais difícil era suportar o que
os turcos chamavam de Devshirme ou tributo de sangue, que consistia na
entrega forçada pelos cristãos de seus filhos que eram enviados ainda
meninos para Istambul e outras cidades turcas e convertidos ao
Islamismo, passando a fazer parte do corpo dos genizaros, soldados
encarregados de oprimir a própria população cristã. A língua turca
pertence ao grupo lingüístico uraloaltaico, que se relaciona com o tronco
fino-hungriano. Os húngaros, como os turcos, vagavam pelas estepes
asiáticas como guerreiros, falando uma língua desvinculada de qualquer
raiz. Não são indo-europeus como os armênios e os gregos. Esta é, pois, a
origem dos turcos e de uma Turquia que se apresenta hoje com mais ou
menos oitocentos mil quilômetros quadrados divididos em duas partes: do
planalto da Anatólia, na Ásia, a Trácia oriental na Europa, que não é,
senão, a continuação da região costeira da Anatólia com fronteiras ao
norte, com o Mar Negro, ao sul, com o Mediterrâneo, a leste, com a antiga
União Soviética (Geórgia e Armênia) e o Irã, e a oeste, com a Bulgária,
Grécia e Mar Egeu, ao sudeste com a Síria e com o Iraque. Desses
oitocentos mil quilômetros quadrados, encontramos mais ou menos
trezentos mil que não pertencem à Turquia. Esta é a terra dos armênios, a
Armênia, o país para o qual os armênios de todo o mundo estão voltados e
que é o motivo da Causa Armênia, sobre a qual falaremos neste momento.


A Causa Armênia


Falaremos sobre a Causa Armênia, fazendo uma crítica a um livro
que entrou no mercado editorial em 1988, publicado pelo Centro de
Pesquisa de Istambul, na Turquia, intitulado The Armenians in History
and The Armenian Question 8, o autor é o historiador Esat Uras. Trata-se
de uma terceira edição de um livro publicado em 1951, preparado segundo
os propugnadores da obra, com esmero, 40 anos de paciente pesquisa,
reeditado em 1975 por ocasião do qüinquagésimo aniversário da república
turca. E agora, em 1988, uma terceira edição, tratando dos eventos, das
visões e das interpretações, relacionadas ao problema armênio ocorrido
durante o período de 1923 a 1985.
Na Introdução, os propugnadores da obra nos dão as razões para
esta edição de 1988.
"As igrejas armênias, as organizações terroristas armênias, e vários
governos, com um projeto claro de atacar a república turca e sua
integridade territorial, e com um interesse explícito em ressuscitar
antigos problemas, tais como o da questão armênia, trabalham
continuamente, incrementando uma terrível propaganda para influenciar
a opinião pública. Esta propaganda se efetua através de uma variedade
enorme de meios e de metas: dos assim chamados livros didáticos aos
catecismos sexuais, das fitas gravadas, aos vídeos, dos filmes e programas
de TV, às brochuras e posters. E, finalmente, através dos assassinatos,
dos sequestros e assaltos. Tudo isto com o intuito de chamar a atenção da
opinião pública de certos países para a existência de um problema
armênio. Particularmente, entre os anos de 1973 e 1985, quando nenhum
outro meio era mais eficaz, os esforços foram concentrados no sentido de
converter a questão armênia ou o problema armênio na causa armênia,
mobilizando a consciência do mundo para esta causa com táticas
terroristas. Diante de tudo isto, é essencial para a república turca e,
especialmente, para o povo turco, envolvido na questão de modo
particular, esclarecer a opinião pública sobre a natureza do terror
armênio, sobre a real e verdadeira questão armênia. Esta obra quer ser,
portanto, não só uma fonte importante de referência, mas também de
esclarecimento."
Existe ainda uma razão para esta terceira edição da obra de Uras:
"Esta razão está ligada às desgraças sofridas pela Turquia,
provenientes dos mais diferentes lugares e colocadas em prática através
das mais variadas formas. Os ataques são realizados com eficiência e
eficácia, sempre sob o terror e a anarquia das armas. De 1973 a 1985, o
terror das organizações armênias causou a morte de aproximadamente 50
turcos e de um número de crianças, e a destruição de bilhões de liras em
propriedades. Os armênios organizaram os mais terríveis e inumanos
massacres, crimes, assaltos da história recente, enquanto, nesta época,
mais de quinhentos mil turcos morriam no país, vítimas do terror e da
anarquia armênia. A verdadeira existência do Estado, e a conseqüente
legitimação do seu regime político, vem sendo colocada continuamente em
perigo pelo terrorismo armênio, cujos membros não são mais do que turcos
traidores, turcos que querem renegar a sua casa, que rejeitam o seu lar. A
propaganda armênia está sempre circunscrita aos temas do Genocídio e
das Deportações, com a finalidade de sensibilizar ainda mais os países
hostis à Turquia".
Assim sendo, um esforço ilimitado é colocado em prática no sentido
de transformar a Questão Armênia e o Problema Armênio na Causa
Armênia sob a égide do Genocídio e da Deportação, temas reivindicadores
da independência nacional. A obra de Uras quer, pois, mostrar a falsidade
dos temas acima mencionados, quer desmascarar o que está por detrás do
que os armênios chamam de deportações e de genocídio. Toda tentativa de
concentração nos acontecimentos de 1915 e a ignorância dos
desenvolvimentos que se sucederam a partir de então, segundo Uras, só
proporcionam ao leitor uma imagem incompleta da situação. Assim sendo,
para os propugnadores da obra, esta é uma tendência assumida também
por certos governos, qual seja, explorar o problema armênio, a questão
armênia em vista de suas aspirações geopolíticas particulares 11. Esat
Uras, quer afirmar, portanto, neste seu livro, que a questão armênia: "foi
muito mais usada como meio do que como um fim na história e este meio
não foi senão propaganda psicológica anti-turca, uma arma diplomática
em vista de outros objetivos. E qual o preço que os armênios pagam por
isso? O de receberem um novo nome, o de terroristas no sentido
internacional do termo".
Passaremos, portanto, a falar do Genocídio Armênio, do Problema
Armênio, da questão armênia, da causa armênia, fazendo uma crítica a
esta obra. Uras apresenta o povo armênio como subvertedor da ordem e
nega o direito territorial armênio. Para Uras, todo o interesse armênio
consiste em comover a opinião pública contra os interesses turcos. O autor
quer que o seu compromisso seja com a história; infelizmente, precisa ser
dito, este compromisso foi rompido desde que, por motivos alheios, se deu
à tarefa de refazer uma história da Turquia, deturpando as próprias
origens étnicas, apoderando-se da identidade dos povos milenares
desaparecidos na Anatólia. Os turcos, descendentes de povos asiáticos da
família tártaro-mongólica e procedentes das estepes da Ásia Central,
chegam à Ásia Menor nos séculos XI e XII da nossa era, em condições de
tribos. Pois estes povos se dizem, hoje, descendentes dos hititas e, como
tais, donos milenares da Ásia e das civilizações aí instaladas. São deles os
monumentos e as obras de arte dos hititas, dos gregos e dos armênios. O
autor perscruta como lhe convém. Seleciona os trechos, interpretando-os
fora do contexto, manipulando-os de acordo com intenções muito bem
determinadas. Enfatiza as críticas internas dos armênios, como as dos
autores e diplomatas estrangeiros não simpatizantes com a Causa
Armênia. Após cada capítulo, uma bibliografia é citada, mas amplamente
manipulada. Com habilidade de cirurgião, ele mutila os documentos,
citando apenas o que satisfaz aos interesses turcos. Para a obra, os
documentos que atestam o genocídio não passam de mito, criado pelos
armênios, com o fim de reivindicar territórios e indenizações. A tese da
obra é claríssima: não houve genocídio e, portanto, não há lugar para
reivindicações de territórios e de indenizações. Tudo não passa de
propaganda armênia, de pressão psicológica junto aos governos inimigos
da república turca. Aqui a identidade armênia é sempre minimizada e
mesmo negada. A Armênia nasce de uma dinastia legendária. Seu
território foi sempre cena de conflitos entre persas e árabes, romanos,
bizantinos e russos; por isso, na concepção do livro, nunca existiu um
território armênio devidamente constituído. Pois estes são os fantásticos
argumentos para os propugnadores desta compilação mentirosa
defenderem a ocupação de trezentos mil quilômetros quadrados do
território armênio pelos turcos na Armênia ocidental e os prejuízos que,
desde o século XVI, a Turquia vem causando a esta nação.
No que tange à documentação do genocídio de 1915, uma série de
telegramas do então ministro do interior Talaat Pashá, ordenando
exterminar inteiramente os Armênios e prometendo castigar os
funcionários da administração que não cumprissem cegamente esta
ordem, telegramas estes cifrados e reconhecidos em todo o mundo como
documentos importantíssimos sobre o genocídio, não são aqui sequer
mencionados.
Uma das acusações que esta obra faz contra as reivindicações dos
armênios diz respeito às estatísticas. Para o livro, as estatísticas armênias
são falsas. Ora, os historiadores são unânimes no que se refere ao número
das perdas e dos prejuízos ocorridos entre 1915 e 1920. Só durante esta
época podemos afirmar que 1.500.000 Armênios foram mortos pelos
turcos. Entre eles, encontram-se intelectuais, escritores, poetas, redatores,
professores, diretores de escolas. Duas mil e quinhentas cidades foram
cruelmente saqueadas, quatro mil igrejas e capelas foram destruídas ou
danificadas e transformadas com outras finalidades. Duzentos e três
mosteiros foram secularizados, assim como cerca de 30.000 manuscritos,
perdidos ou queimados. A Igreja Apostólica Armênia perdeu 3.000
presbíteros e 50 bispos e arcebispos. Os dignatários, depois de torturados,
foram lançados ao petróleo e queimados vivos. Vê-se, pois, de modo
patente, que durante estes cinco anos, durante o Genocídio, as perdas
foram enormes e os números aqui mencionados são, com segurança,
internacionalmente reconhecidos. O que se poderia acrescentar em termos
de perdas humanas, de prejuízos, de danos materiais e morais quando se
sabe que desde 1895 até 1923 a repressão, os massacres, as deportações
foram efetuadas de modo quase contínuo e, em períodos determinados,
com a ênfase total de uma vontade de extermínio brutal. Por isso,
chamamos o genocídio armênio de "o mais longo da história".
A pouca importância que Uras outorga ao Tratado de Paz de Sèvres,
firmado em 10 de agosto de 1920 entre as principais potências aliadas,
contendo seis artigos relativos à Armênia (Secção VI, artigos 88 a 93),
onde estas mesmas potências aliadas declaram reconhecer a Armênia
como estado livre e independente, e a relevância com que o autor divulga,
pormenorizadamente, a Conferência de Lausanne, onde, no início, os
representantes armênios não foram sequer admitidos pelos turcos e onde
houve sequer satisfações para as suas reivindicações, mostra a coerência
do autor se inserindo na tradição de intransigência prepotente de seu
país. Fossem os governantes da Turquia mais liberais e menos
manipuladores, utilizando sempre de sua posição estratégica para fazer
com que potências internacionais interferissem na vigência dos tratados (o
próprio Tratado de Sèvres foi trocado pelo de Lausanne por pressão da
Turquia junto às potências aliadas); fossem os governantes turcos
realmente sinceros, conferindo de fato a segurança física aos armênios,
assim como a segurança de seus bens materiais e culturais; viessem
aqueles realmente ao encontro de seus justos anseios pela, pelo menos,
autonomia federativa dentro da região, provavelmente teriam sido
prevenidos os tristes fatos que aconteceram. Mas a posição turca foi
sempre outra, marcada pela arrogância, sempre impôs as suas decisões
sob a ameaça de armas. Os armênios foram obrigados a renunciar ao
Tratado de Sèvres no dia 03 de dezembro de 1920.
Mas a ênfase total da obra é colocada no que a introdução cognomina
de Terror Armênio. A própria edição de 1988 se nos apresenta como
"revista, aumentada e completada com os dados dos atos terroristas de
1973 a 1985".
A ênfase da obra não poderia ser outra. Para os patrocinadores desta
compilação, foram os armênios a massacrar os turcos. Segundo eles, os
armênios só acusam. Ora, a posição turca não poderia ser diferente. É
preciso contra-atacar para, do estado de réu, passar para o de vítima e
acusar. Não se pode negar que tenham existido Grupos Armados de jovens
Armênios 14, mas quem são estes jovens e o que visam? Antes de tudo
deve-se dizer que este Movimento Armado é uma reação, é efeito, é
consequência. São movimentos que surgem depois do genocídio. Não se
pode, pois, confundir e muito menos reduzir a história. Começa-se, sim,
pelo início, não pelo fim como se este fosse a causa de tudo. Insinuar que
conseqüências possam ser a causa, é, no mínimo, distorcer, manipular.
Terror foi, sim, a crueldade institucionalizada de modo amplo e irrestrito
a partir de 1880, colocada em prática sob a égide do próprio estado turco.
O terror institucionalizado, assumido, financiado por um império que
ordena "o extermínio, o fim dos armênios sem escutar os sentimentos da
consciência".
Mas qual seria a verdade sobre a reação dos Grupos Armados de
jovens Armênios? Para os responsáveis pelo genocídio armênio não houve
um julgamento de Nürenberg. Na década de 20, o povo armênio estava
saindo da grande tragédia. Dizimado, disperso, desamparado, os armênios
não conseguiam senão sofrer e suportar. Mas o limite chegou e o povo
decidiu fazer a sua justiça, a justiça que nunca foi feita pelos organismos
internacionais por causa dos interesses estratégicos e das mil
conveniências. Meia dúzia de jovens que viveram, existencializaram os
horrores dos massacres, todos estudantes, foram à procura dos
esconderijos dos principais responsáveis pelo genocídio, na época, todos
foragidos. Nos anos de 1921-1922, foram localizados e mortos a tiros sete
deles. No dia 15 de março de 1921, foi morto em Berlim a figura número
um, Talaat Pashá, por Solomon Tehlirian, preso pela polícia alemã e
julgado. Apesar de seu ato premeditado, Tehlirian foi absolvido. Este
processo está todo documentado. Foi o julgamento do século. O objetivo do
movimento armado é encontrar uma solução para a Causa Armênia. O
que se deseja é o reconhecimento, pelo governo turco, do genocídio
cometido contra o povo armênio, a devolução dos territórios ocupados aos
seus donos armênios, estabelecidos no Tratado de Sèvres em 10 de agosto
de 1920 e a indenização pelos prejuízos causados nos anos 1915-1922. A
atitude pacífica do povo armênio (de 1878 do Tratado de San Stefano que
oficializou a causa armênia a 1975 quase 100 anos, portanto) para ver
solucionada a sua causa através do diálogo e de outras tentativas
parlamentares (malogradas pela intransigência do governo turco e pela
inércia da O.N.U.) não teve outra alternativa se não a luta armada, como
meio de apelar à solidariedade dos povos civilizados pela solução da causa
armênia. Um dito popular armênio diz: "Quando não há saída a vez é dos
loucos". Pois estes jovens armênios saíram à cata dos porta-vozes do
governo turco, difundindo mentiras, falsificando fatos, confundindo a
opinião pública mundial, minando, através de chantagens nos meios
diplomáticos, os procedimentos pela solução da causa armênia. Isto para
forçar o governo turco a abrir diálogo direto com os armênios ou através
de terceiros. Mas até hoje, a Turquia recusa o diálogo e vem
constantemente pressionando o mundo inteiro para não fazer justiça.
Encorajada pela impunidade atual, a Turquia espera sepultar
definitivamente o seu crime. Os armênios contudo, nunca deixarão de
denunciar e de reclamar justiça e reparação.
A obra de Uras pois, na verdade é uma anti-história da Armênia. É
mais uma distorção, mais uma mentira, mais uma tentativa para se
refazer uma história falsa. Esat Uras pretende ser rigoroso, científico,
mas os prolegômenos de seu texto já mostram, indicam de modo muito
claro o prisma mediante o qual o mesmo deve ser lido. Sua objetividade é,
pois, aprioristicamente viciada, pois o rigor da ciência implica, antes de
tudo, no reconhecimento da verdade. Ora, a verdade aqui é manipulada,
distorcida, considerada só sob os ângulos da conveniência, ou melhor, dos
interesses, do pressuposto turco. E a verdade pela metade, a meia verdade
é pior do que a mentira, porque é mascarada. O reconhecimento da
realidade histórica é o primeiro passo para proibir e evitar todo tipo de
repressão em qualquer país. E é isso, só isso, que os armênios desejam.
Que a justiça lhes seja feita. A sub-comissão de prevenção das
discriminações e proteção às minorias da O.N.U. estabeleceu o
reconhecimento daquilo que ninguém pode negar. Mediante votação, foi
aprovado, por maioria, um relatório sobre o genocídio, em que inclui o caso
armênio de 1915, como genocídio. A aprovação do dito relatório é uma
vitória da justiça e da humanidade. Este documento não apenas ratifica os
fatos históricos realizados pelo governo otomano, contra os armênios, mas
demonstra também, a obsessão turca em querer negar o que é evidente,
patente. A mesma posição foi assumida pelo Parlamento Europeu quando
reconheceu, por votação da maioria de seus membros, o genocídio dos
armênios. Sim, querer negar o que é óbvio, dizer que um país de mais de
dois mil anos de existência, baluarte da civilização européia, portador de
uma organização social, de uma língua, de uma literatura, de uma
religião, de uma arquitetura, de uma escultura, de uma pintura genuína,
dizer que este país não existe é mentir para o mundo. E o mundo não pode
aceitar esta mentira escandalosa, impertinente, obsessiva. O sangue dos
milhões de mártires, os fragmentos de pedra das inúmeras igrejas
destruídas na Ásia Ocidental, a pedra viva e a viva voz das testemunhas
que sobreviveram à barbárie otomana estão aí para dizer e comprovar o
que dizem: "A Armênia só pode ser dos armênios". Isto é o mínimo que se
pode reivindicar para o povo que sofre e sofre até hoje a maior injustiça da
história, o mais longo genocídio.


NOTAS


A Comunidade Internacional dedicou o ano de 1998 aos Direitos Humanos. No cerne dos mesmos
direitos não pode haver nenhuma dúvida sobre a sua universalidade, não pode existir relativismo
possível em nível de valor. E, no entanto, sabemos como em todos os tempos, no mundo inteiro, estes
direitos fundamentais do homem foram desrespeitados e manipulados. A historiografia nos mostra que
houve estados soberanos e governantes profundamente honestos e sensíveis para com as opções
profundas dos seus súditos. Arnold TOYNBEE considera Ciro II, O Grande, KUROSH EL KABIR, da
Pérsia, o Pai dos Direitos Humanos. Este foi o grande unificador e congregador de povos, sábio, justo e
tolerante. Recebeu elogios dos adversários, os gregos. Outorgou a liberdade aos hebreus, ajudando-os,
em sua terra, a reconstruir o Templo. Cognominado Messias no Deutero Isaías, ele foi o protótipo do rei
justo e bom. Cf. TOYNBEE, A. A study of history, Oxford University Press, vol. VII 178,180,183, 205,
206-7, 582-4,597-9, 603-5, 611, 657, 660, 679, 683. Da mesma forma, na Índia, durante o período
mongol, governou AKBAR, célebre pela tolerância religiosa, militar, política e pela abnegação; o
imperador da integridade e do respeito para com as diferenças. Cf. Id. Ibid., VII, 19, 106, 127, 183, 186,
195. Cf. GROUSSET, René, Figures de Prone, Paris, 1949, 306-326 (Akbar et le destin de l’Inde). Mas se houve um Ciro e um Akbar, houve também, na mesma Ásia, um Tallat Pashá, o ministro do interior do
império otomano que executou o genocídio mais longo da história. O presente dossiê será dedicado a
esta questão ainda não resolvida histórica e politicamente.
Cf. Time, 5 (january 29, 1990) 8-12. Newsweek, 5 (january 29, 1990) 8-14.
Em julho de 1923, a região de Nagorno-Karabach foi declarada autônoma, mas entregue à
administração do Azerbaijão. A decisão foi tomada porque Stalin queria obter apoio dos muçulmanos da
Ásia Central. A incorporação nunca foi aceita pelos armênios. Em fevereiro de 1988, o então Soviete
Supremo de Nagorno-Karabach aprovou a devolução do território à administração da Armênia.
Começaram, então, os choques étnicos entre armênios e arzebaijanes, com centenas de mortes.
Armênios foram ainda massacrados em Baku e em outras cidades do Azerbaijão. Em janeiro de 1990,
tropas do Ministério do Interior da antiga U.R.S.S. intervieram no Azerbaijão para conter os choques
armados entre as duas nacionalidades.
Faço a transcrição do Prefácio do livro "Ethinic Cleasing in Progress - War in Nagomo Karabakh -
Caroline Cox e John Eiber, escrito por Elena Sakharov, viúva do conhecido físico Andrei Sakharov, ela
própria uma armênia. Tem-se aqui de modo muito patente, um diagnóstico do conflito na Região.
"Um dos autores deste trabalho, Lady Caroline Cox, tem, durante os dois últimos anos, se dedicado a
ajudar a população de Nagomo Karabakh, e aos refugiados de Karabakh e do Azerbaijão. Fazendo isso,
ela demonstra um alto grau de coragem pessoal enfrentando tiros e bombardeios, arriscando a vida para
prestar ajuda humanitária diretamente dentro das zonas de guerra. Não é ouvindo comentários de
terceiros, ou de acordo com notícias veiculadas na imprensa que ela tomou conhecimento dos infortúnios
e sofrimentos dos pacíficos habitantes desta região - mulheres, crianças e velhos; ela presenciou esse
sofrimento pessoalmente, passou inúmeras noites com eles em abrigos anti-aéreos, celeiros, e nas suas
casas em vilarejos, que poderiam ser destruídas a qualquer momento por uma bomba ou fogo de
artilharia. Ela repartiu seu pão, quando eles não possuíam nada, e chorou por seus filhos e maridos
mortos. Não conheço ninguém no mundo ocidental que tenha se envolvido tão profunda e
completamente com os acontecimentos naquela região. Assim, é uma grande honra para mim escrever
um prefácio para este trabalho, embora não partilhe integralmente suas perspectivas históricas: eu
acredito que basicamente a presente tragédia é causada, não por fatores religiosos ou culturais dos dois
povos, mas sim pela obstinação na prioridade do princípio de integridade territorial, a qual é direito de
estado, colocando-a acima do princípio de autodeterminação nacional, a qual é parte integrante dos
direitos humanos.
Já se passaram 5 anos desde o início dos conflitos em Karabakh. Em resposta ao pacífico apelo
apresentado em uma sessão do Soviet Regional de Nagorno Karabakh para que a região fosse
transferida da jurisdição administrativa do Azerbaijão, ou diretamente ao governo da URSS como é até
agora, ou então à Armênia, instalou-se um processo de genocídio e massacres contra os armênios,
provocados pelas autoridades do Azerbaijão (em Sumgait, Ganja, Baku, etc). A seguir, houve deportação
forçada do povo de Karabakh, comandada por forças militares do exército soviético em conjunto com o
ministério de assuntos internos do Azerbaijão. Seguiu-se a destruição de vilas e cidades, queimada de
safras e colheitas, roubo de gado, assassinatos, estupros e captura de reféns que foram torturados nas
prisões do Azerbaijão. Esta limpeza étnica, que deixou o Azerbaijão praticamente livre de armênios, e
que também ameaçou transformar toda a população de Nagorno Karabakh em refugiados, foi ignorada
pela comunidade internacional e pelas Nações Unidas, apesar dos inúmeros apelos recebidos do mundo
ocidental e do povo da Rússia. Foi este processo de expurgo étnico que levou o conflito, numa escalada
crescente de violência, para uma guerra aberta.
Além do mais, no outono de 1989 o Azerbaijão iniciou um bloqueio à Armênia. Na ocasião, Andrei
Sakharov pediu para que países do mundo ocidental estabelecessem uma ponte aérea de solidariedade.
Este apelo se baseava na obrigação que têm as Nações Unidas e Comunidade Européia de defender as
leis internacionais, especialmente a Convenção de Genebra, que proíbe qualquer espécie de bloqueio
imposto a um país pacífico. Desde esta data, o bloqueio tem sido constante. Isto destruiu a economia do
país, levando 3,5 milhões de armênios à beira de um desastre nacional, espalhando a ameaça de morte a
milhares por frio, fome e doenças. Atualmente a Armênia lembra muito Leningrado durante o cerco dos
exércitos de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Não existe eletricidade, nem televisão ou rádio;
não existe aquecimento ou abastecimento de água; o pão é racionado a 200 grs. por pessoa ao dia;
refugiados vivem em tanques, que originariamente foram utilizados para o transporte de petróleo; e
bandos de cães famintos vagam pelas ruas, tão bravios, que as pessoas quando saem de casa têm de se
armar de bastões para se protegerem contra eles, e aqueles que estão fracos não devem nem sair de
casa. É impossível remeter uma encomenda ou transferir dinheiro de Moscou, pois não há vôos
regulares. O bloqueio (e também o constante bombardeio e ataque às vilas e cidades armênias da
fronteira) continua apesar das reiteradas declarações da Armênia de que não existe qualquer problema
territorial com seus vizinhos.
Os países ocidentais, as Nações Unidas e o CSCE, desde fevereiro de 1988, têm se mostrado
surpreendentemente indiferentes ao conflito em Karabakh, e não têm feito qualquer tentativa para
conseguir uma solução pacífica - nem mesmo a comissão do CSCE liderada por Mario Rafaelli.
Tampouco tomaram qualquer atitude prática para fazer cessar o bloqueio à Armênia e Karabakh, ou
para ajudar os mais de 350.000 refugiados. Nem mesmo oportunidades diplomáticas ou políticas foram
aproveitadas para compelir o Azerbaijão a levantar o bloqueio, ou obrigar a Turquia a abrir um corredor
por onde possa fluir ajuda humanitária até a Armênia.
O presidente armênio, Levon Ter-Petrosian apelou a todos os países da CIS para que exercessem
pressões sobre o Azerbaijão. Sei que o presidente do Kirgyztan, Askar Akayev, respondeu ao apelo
endossando o pedido a todos os líderes destes países, e também ao presidente do Azerbaijão, Elchibey, e
ao presidente da Turquia, Turgut Ozal. Todavia, o que pode fazer um pequeno país como o Kirgyztan,
quando gigantes como os USA e Alemanha não entendem que o bloqueio à Armênia é uma nova forma
de racismo; seu povo está sendo vítima de sofrimentos imensos só porque eles têm a mesma
nacionalidade do povo de Karabakh, que está lutando por sua independência.
Outro aspecto da atual política dos países ocidentais precisa ser mencionado: sua incapacidade em
entender a importância de ajudar aqueles novos estados cujos governos tentam, apesar de todas as
dificuldades, estabelecer regimes democráticos, especialmente o Kirgyztan, que necessita urgentemente
auxílio humanitário após sofrer os desastres naturais do ano passado, mas que vem recebendo muito
menos ajuda que seus vizinhos totalitariamente comunistas.
No passado, a ajuda internacional dos Estados Unidos era direcionada especificamente a ajudar países
onde os direitos humanos não eram violados e cujos governos agiam de acordo com princípios
democráticos. Hoje, este país, sob nova liderança, deverá reafirmar estes princípios básicos.
A Armênia não precisa de soldados americanos ou de seu armamento. Possui um governo e um
parlamento eleitos democrática e honestamente, sem qualquer falsidade. Seu governo não está engajado
em uma guerra civil contra sua própria gente, ou qualquer facção dela. Tampouco, são requeridas tropas
americanas em Karabakh, que formou um corredor de ajuda humanitária ligando-a à Armênia, as
custas do derramamento de seu próprio sangue. Porém Karabakh e seu povo necessitam de
reconhecimento diplomático para subsistir, o que é absolutamente legítimo de acordo com o referendum
ali havido em janeiro de 1992. O que a Armênia precisa é de esforços políticos e diplomáticos
empreendidos pelos países ocidentais, a fim de por fim ao bloqueio, além de temporária, porém maciça,
ajuda humanitária.
Caso os países ocidentais, e primordialmente os Estados Unidos, não fizerem nada no momento atual, e
somente se conservarem em uma posição isolacionista, a humanidade terá de enfrentar em futuro
próximo, não somente outra vergonhosa derrota da democracia, mas também a guerra, destruição e
atrocidades em escala idêntica às que aconteceram na antiga Yugoslávia.
Ainda hoje, é possível encontrar uma solução para o conflito de Karabakh e salvar a Armênia, com base
na salvaguarda dos princípios de defesa dos direitos humanos.


Elena Bonner Sakharov


11 de março de 1993."


Em agosto de 1990, o Parlamento da Armênia decidiu por 183 votos contra dois, aprovar uma
declaração de Soberania em relação à antiga U.R.S.S. e adotou o nome de República da Armênia. A
declaração inclui a adoção de um sistema pluralitário e o direito inalienável do controle de Nagorno-
Karabach.